"O Vale das Bonecas" #

A década de 60 iniciou um novo tempo e deixou seu rastro através da história. Seus tentáculos nos alcançam até agora. O movimento hippy, o envolvimento dos jovens com as drogas, os beatles, a liberdade sexual, a pílula, o slogan de paz e amor, ou faça amor, não faça a guerra, foi o grito de guerra das hordas que coisificaram o Amor. O verbo sentir passou à exortação do fazer. Nos EUA, o homem pisou no solo lunar, as pesquisas científicas e tecnológicas se incrementaram, aperfeiçoou-se o computador, a TV. A Califórnia virou o vale do silício. E tudo parecia envolto num halo mágico, dourado, a nova corrida do ouro, marca registrada do período. E a boneca Barbie começou o seu reinado...

Antes as moças não dormiam com os namorados, mas lavavam suas cuecas. Aí começaram a dormir com os namorados, mas a não lavar suas cuecas.

O modelito da Barbie é perfeito, o protótipo da sedutora que não faz sexo, nem procria, o anjo que encarna o desejo da eterna perfeição de lolitas, ninfetas, sílfides. Hoje, com mais de meio século, continua jovem, magra, esbelta & esguia, louçã como porcelana, sem pêlos, sem celulite, cabelos longos e lisos, não come, não faz xixi nem cocô, uma perfeita anoréxica. Como a Barbie não estuda, não tem nenhum projeto de vida, nem responsabilidades, além do perfeccionismo, é a aspiração máxima das jovenzinhas em flor. E até de algumas iludidas e fetichitas balzaqueanas. Ou chiquititas bacanas?

No livro de Jacqueline Susann,# essa talentosa autora que morreu antes dos 50, vítima de câncer de mama, a luta das moças em flor é pela fama, a busca do prìncipe encantado (ainda!), a ditadura da beleza e da magreza, o sucesso profissional e o abismo das drogas, do cigarro, do álcool, as doenças, a esquizofrenia, a psicose. E ainda não havia o HIV...

Parece que estou descrevendo um cenário de hoje, com pouquíssimas variações. Ah! Esqueci-me das gravidezes inoportunas, não mais taxadas de indesejáveis, pois o desejo nunca se aparta do sofrente ser humano. Ainda e sempre a jovenzinha (e a madurona) quer o príncipe. Mas não fica deitada como a bela adormecida, nem à janela do castelo jogando suas tranças de rapunzel. Faz sexo, não se protege, seduz e quer a festa de quinze anos e o casamento de princesa. Algumas viram modelos a serem imitados, como a xuxa, que iniciou a era dos enfeites, penduricalhos, a apelação, as musiquinhas, as xuxinhas...

Cantora de balão mágico vai à prisão e se deita com afro ladrão de banco, engravida, e já está no 3º conúbio. Syang, tatuadíssima e ultra-siliconada, zero em talento artístico, já na casa dos mais de trinta, se apavora e engravida. O baby-room que ela exibe na TV está atulhadíssimo de coisas e há uns oitenta pares de sapatinhos de bebê.

A boneca Barbie, queridinha da América, agora é fabricada na China por bilhões de escravos chineses que estão clonando todas as porcarias que os ocidentais idolatram.

A idéia fixa por beleza e perfeição é tão gritante entre as adolescentes que pode ser uma pulsão de morte, como afirma Freud. É tudo que vai além do princípio de prazer. Uma menina morre eletrocutada usando o tal de baby-liss no banheiro, o chão molhado e ela descalça. A modelo famosa pára de comer e morre aos 21 anos. As moças, hoje, para se inscreverem no concurso de miss, submetem-se a dezenas de cirurgias, intervenções e recauchutagens na lataria. Nossa Martha Rocha, uma linda jovem, in natura, 18 aninhos em 1954, quase miss universo, só não foi eleita por duas polegadas a mais nos quadris.

A pseudo- liberdade de hoje é uma escravidão. As barbies continuam inseguras/ousadas e caem na redenet. Ambiciosas, querem que o vovô aposentado lhes compre um carro. Não lavam nem uma xícara. Os peitinhos de ninfa viram peitaços, graças aos implantes do tamanho de melões. As patricinhas de beverly hills não têm nenhuma serventia. 19/04/08

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 21/04/2008
Código do texto: T955202