Paixões proibidas
Está nas livrarias "Contos de amor e ciúme", um livro com seis histórias saídas da pena maravilhosa do Bruxo do Cosme Velho e publicadas entre 1864 e 1884, tendo as mulheres como destinatárias .
São contos do século 19. Contudo, dois motivos prevalecem para que eles continuem encantando os amigos da boa leitura: foram escritos por Machado de Assis e têm desfechos surpreendentes.
Terminei de ler Frei Simão, o primeiro dos seis conto. Vou resumi-lo, sem mexer, claro, no essencial.
O rapazola Simão apaixonou-se pela prima Helena, "bela, meiga e extremamente boa". Helena ficara órfã de pai e mãe e passara a morar na casa de Simão.
Enquanto foi possível, os dois desfrutaram de uma paixão protegida pelo mais absoluto sigilo. Descoberto o romance, veio o incontornável veto dos pais de Simão. Eles queriam o filho casado com uma herdeira apatacada e não com uma pobre órfã, apesar do parentesco.
Para abortar o namoro, o tio de Helena mandou Simão para uma cidade distante, e colocou o rapaz sob a guarda de um amigo. Foi dolorosa a despedida entre Simão e Helena; na hora do adeus, choraram "lágrimas furtivas".
As cartas trocadas entre ambos ajudavam a manter viva a doce paixão. Eles "podiam consolar-se da ausência, com a presença das letras e do papel", sem perderem, entretanto, a esperança do reencontro e de um casamento feliz.
A mãe, de repente, descobriu que Simão e Helena se encontravam, através de missivas apaixonadas e levou o fato ao conhecimento do marido. "Houve um grande temporal em casa".
O pai de Simão adotou, então, uma medida extrema: em carta mentirosa, comunicou ao filho a morte de Helena. A notícia machucou Simão e o levou a procurar um convento. Em pouco tempo, ordenava-se monge beneditino.
Tempos depois, voltando à sua cidade como pregador, constatou que Helena não havia morrido. Descobriu-a casada e mergulhada em ostensiva melancolia, entre os fiéis que ouviam o seu sermão, na igreja "atopetada de povo" - e a viu desmaiar.
Diz o conto, que frei (dom) Simão prosseguiu no púlpito, mas com "um discurso sem nexo, sem assunto, um verdadeiro delírio".
Helena e frei Simão morreram. A cela do beneditino, fechada após sua morte, foi aberta pelo abade para receber um novo monge: o pai de frei Simão, já velhinho, que enviuvara.
Essa estória, contada por Machado, desperta emoções do primeiro ao último parágrafo.
Lendo a história de frei Simão de Santa Águeda, lembrei-me de frei Francisco Bastos Baraúna. Em 2000, escrevi uma crônica sobre ele.
Volvidos oito anos, é quase certo que essa crônica, que intitulei Paixão enclausurada, tenha desaparecido, triturada pela máquina implacável do tempo. Creio, que ninguém mais se lembra dela.
Como nada tenho a acrescentar ao que, no início deste milênio, escrevi sobre frei Bastos, vou tentar re-contar a emocionante história desse franciscano baiano de respeitável e inconfundível memória.
Ele amou loucamente uma prima. Seus pais não aprovavam seu casamento com sua linda parenta porque queriam vê-lo frade. Acuado, ele ingressou, em agosto de 1794, na Ordem Franciscana. Tinha quinze anos!
Na clausura, instalou-se o calvário do inteligente jovem Francisco de Santa Rita Bastos Baraúna, entre os irmãos de claustro, simplesmente frei Bastos.
A rigidez e a solidão de sua cela fradesca aumentaram-lhe as saudades de Teresa, uma mulher "de tez morena ...cor e semblante angélico e a beleza plástica das virgens de Murilo e Tizziano".
Nascido em Salvador, no dia 3 de dezembro de 1778, frei Bastos queria ser Juiz de Direito. Sonhava com a toga e não com a batina tosca, com o burel de Francisco.
Exímio pregador, inspirado poeta, ele arrancava candentes aplausos nas nas missas da igreja de São Francisco, no Terreiro de Jesus. Falava e escrevia, correntemente, o latim, francês, italiano, grego e inglês. Um gênio?
Sem vocação para o sacerdócio, frei Bastos procurou esquecer seu amor por Teresa "engolfando-se no vício": foi definitivamente dominado pelo jogo, pelo fumo e pela bebida.
Um libertino de hábito, Bastos transgredia, com freqüência, a Regra dos Frades Menores.
Fugia do Convento, e, não poucas vezes, foi flagrado "numa seresta no meio de dengosas mulatas de quadris roliços e seios ondulantes". Não conseguia guardar a Castidade, o terceiro voto seráfico. Viveu entre Cristo e o diabo.
Não fosse a intolerância do seu tempo, podia ter sido feliz ao lado de Teresa, que terminou seus dias como uma piedosa freira Ursulina.
"Lançando um olhar sereno para o Crucifixo", frei Bastos morreu paralítico, no dia 2 de setembro de 1884. Certamente sem esquecer a sua musa...
Paixões proibidas. No caso de frei Bastos, uma história verídica; no caso de frei Simão, uma ficção, mas que, a rigor, não estaria tão distante da realidade, como, penso eu, pretendeu mostrar o mestre de Dom Casmurro...
Está nas livrarias "Contos de amor e ciúme", um livro com seis histórias saídas da pena maravilhosa do Bruxo do Cosme Velho e publicadas entre 1864 e 1884, tendo as mulheres como destinatárias .
São contos do século 19. Contudo, dois motivos prevalecem para que eles continuem encantando os amigos da boa leitura: foram escritos por Machado de Assis e têm desfechos surpreendentes.
Terminei de ler Frei Simão, o primeiro dos seis conto. Vou resumi-lo, sem mexer, claro, no essencial.
O rapazola Simão apaixonou-se pela prima Helena, "bela, meiga e extremamente boa". Helena ficara órfã de pai e mãe e passara a morar na casa de Simão.
Enquanto foi possível, os dois desfrutaram de uma paixão protegida pelo mais absoluto sigilo. Descoberto o romance, veio o incontornável veto dos pais de Simão. Eles queriam o filho casado com uma herdeira apatacada e não com uma pobre órfã, apesar do parentesco.
Para abortar o namoro, o tio de Helena mandou Simão para uma cidade distante, e colocou o rapaz sob a guarda de um amigo. Foi dolorosa a despedida entre Simão e Helena; na hora do adeus, choraram "lágrimas furtivas".
As cartas trocadas entre ambos ajudavam a manter viva a doce paixão. Eles "podiam consolar-se da ausência, com a presença das letras e do papel", sem perderem, entretanto, a esperança do reencontro e de um casamento feliz.
A mãe, de repente, descobriu que Simão e Helena se encontravam, através de missivas apaixonadas e levou o fato ao conhecimento do marido. "Houve um grande temporal em casa".
O pai de Simão adotou, então, uma medida extrema: em carta mentirosa, comunicou ao filho a morte de Helena. A notícia machucou Simão e o levou a procurar um convento. Em pouco tempo, ordenava-se monge beneditino.
Tempos depois, voltando à sua cidade como pregador, constatou que Helena não havia morrido. Descobriu-a casada e mergulhada em ostensiva melancolia, entre os fiéis que ouviam o seu sermão, na igreja "atopetada de povo" - e a viu desmaiar.
Diz o conto, que frei (dom) Simão prosseguiu no púlpito, mas com "um discurso sem nexo, sem assunto, um verdadeiro delírio".
Helena e frei Simão morreram. A cela do beneditino, fechada após sua morte, foi aberta pelo abade para receber um novo monge: o pai de frei Simão, já velhinho, que enviuvara.
Essa estória, contada por Machado, desperta emoções do primeiro ao último parágrafo.
Lendo a história de frei Simão de Santa Águeda, lembrei-me de frei Francisco Bastos Baraúna. Em 2000, escrevi uma crônica sobre ele.
Volvidos oito anos, é quase certo que essa crônica, que intitulei Paixão enclausurada, tenha desaparecido, triturada pela máquina implacável do tempo. Creio, que ninguém mais se lembra dela.
Como nada tenho a acrescentar ao que, no início deste milênio, escrevi sobre frei Bastos, vou tentar re-contar a emocionante história desse franciscano baiano de respeitável e inconfundível memória.
Ele amou loucamente uma prima. Seus pais não aprovavam seu casamento com sua linda parenta porque queriam vê-lo frade. Acuado, ele ingressou, em agosto de 1794, na Ordem Franciscana. Tinha quinze anos!
Na clausura, instalou-se o calvário do inteligente jovem Francisco de Santa Rita Bastos Baraúna, entre os irmãos de claustro, simplesmente frei Bastos.
A rigidez e a solidão de sua cela fradesca aumentaram-lhe as saudades de Teresa, uma mulher "de tez morena ...cor e semblante angélico e a beleza plástica das virgens de Murilo e Tizziano".
Nascido em Salvador, no dia 3 de dezembro de 1778, frei Bastos queria ser Juiz de Direito. Sonhava com a toga e não com a batina tosca, com o burel de Francisco.
Exímio pregador, inspirado poeta, ele arrancava candentes aplausos nas nas missas da igreja de São Francisco, no Terreiro de Jesus. Falava e escrevia, correntemente, o latim, francês, italiano, grego e inglês. Um gênio?
Sem vocação para o sacerdócio, frei Bastos procurou esquecer seu amor por Teresa "engolfando-se no vício": foi definitivamente dominado pelo jogo, pelo fumo e pela bebida.
Um libertino de hábito, Bastos transgredia, com freqüência, a Regra dos Frades Menores.
Fugia do Convento, e, não poucas vezes, foi flagrado "numa seresta no meio de dengosas mulatas de quadris roliços e seios ondulantes". Não conseguia guardar a Castidade, o terceiro voto seráfico. Viveu entre Cristo e o diabo.
Não fosse a intolerância do seu tempo, podia ter sido feliz ao lado de Teresa, que terminou seus dias como uma piedosa freira Ursulina.
"Lançando um olhar sereno para o Crucifixo", frei Bastos morreu paralítico, no dia 2 de setembro de 1884. Certamente sem esquecer a sua musa...
Paixões proibidas. No caso de frei Bastos, uma história verídica; no caso de frei Simão, uma ficção, mas que, a rigor, não estaria tão distante da realidade, como, penso eu, pretendeu mostrar o mestre de Dom Casmurro...