PALHAÇO
lisieux
Nunca gostei de palhaço.
Nunca gostei daquela cara pintada, a esconder a tristeza.
Palhaços, na verdade, nunca me enganaram. Ainda criança, enquanto as demais riam das piruetas e das piadas repetitivas, eu ficava a olhar aquela face branca de boca desenhada e nariz vermelho e pensava, com os meus botões:
"A quem ele pensa que diverte? Coisa mais sem graça esse marmanjo vestido de criança e tentando ser engraçado".
Assim, toda a minha vida tive birra desse ser caricato.
Até que...
Até que a vida fez-me também um palhaço.
Um dia, vi-me obrigada a mentir. E, embora me sentisse mal no primeiro momento, acabei me acostumando. Afinal de contas, não se pode dizer a verdade todo o tempo. Como dizer àquela senhora que o cabelo recém-pintado está horroroso, ou àquela criança que o pai, do qual ela tanto se orgulha e quer imitar, é um canalha?
No outro dia, vi-me obrigada a dizer coisas "engraçadas" quando tinha vontade de chorar... Senti-me péssima, claro! Mas, como dizer à minha avó que ela estava com câncer e que, em pouco tempo, ia morrer? Preferi contar-lhe um dos causos mineiros de que ela tanto gostava e ver, talvez pela última vez o seu sorriso, do que fazer o que eu tinha vontade no momento, que era apertá-la com força junto ao peito e chorar.
Outro dia, ainda, vi-me obrigada a colocar uma máscara de falsidade no rosto e dar um lindo sorriso, quando me roía de raiva por dentro. Afinal, como fulminar com palavras grosseiras o homem que era o meu chefe, se eu precisava tanto daquele emprego a fim de ajudar a família?
E, finalmente, um dia percebi que eu era tão pateticamente sem-graça quanto o palhaço que eu sempre odiara. Aliás, era ainda mais... porque o palhaço, pelo menos, fazia toda aquela encenação no palco, a fim de arrancar risadas das crianças e garantir a sua subsistência...
E eu, pobre de mim, nunca ganhei um tostão sequer, para fazer meu show...
e a minha platéia, jamais me aplaudiu...
BH - 06.01.06
03h38m