Sobre o caso Isabella
Tentei ficar longe de mencionar o fato,acreditem.Assassinato, por motivo torpe, de uma pobre criança de seis anos..O país inteiro está ligado numa estranha egrégora de morbidez e compaixão,clama por "justiça".Quem matou?Quem ajudou?Apontamos culpados,traçamos teorias e álibis dignos dos melhores programas de detetive.Todos temos algo a dizer,todos temos ,ou imaginamos ter ,as respostas.Discutimos com colegas,amigos,escrevemos sobre o fato.O que acontecerá ao pai e madrasta?O que sei é que o que nos chega, via televisão,e tem o impacto de nos aproximar de fatos e pessoas que diícilmente fariam parte de nossos amigos "mais reais",entendendo-se real como pessoas que convivem conosco na mesma localidade,mesmo bairro,vizinhos,familiares.É terrível saber as notícias do caso de hora em hora,o assunto tornou-se comum até na fila do banco,da padaria!Não é na minha cidade,nem no meu estado,não foi na minha rua,mas não consegui fugir dele!A imprensa,sempre oportunista,transformou de maneira irreversível esta tragédia da classe média em mini-série...talvez vejamos a madrasta ,ou a mãe de Isabella, nas páginas da Playboy, ou nos ensaios do Paparazzo...
Penso,talvez como todos vocês,no desespero da minha família se tivesse acontecido algo assim com uma de nossas crianças,no que faria se estivesse no lugar de algum deles,viro advogada e juíza,condenando e indicando réus pelo que me chega da mídia, de hora em hora.Penso na situação da família da menina,todo tempo ouvindo e vendo na tv a sua própria vida em devassa.Acho que o chocante é saber que a menininha não era de nenhuma favela,não estava nas ruas vendendo doces,flores,nem pedia dinheiro nas sinaleiras...A família tinha condições,ela tinha pai e mãe conhecidos,tinha boas roupas,boa alimentação,ela estudava e tinha oportunidades que as crianças em situação de risco nas ruas,nos orfanatos,instituições públicas, jamais tiveram...mesmo assim,em algum momento,o lado mais baixo e primitivo do ser humano,a crueldade e a covardia, a alcançou sem defesas.Foi morta e jogada da janela do prédio onde morava a família do pai.Não estava na favela,não usava drogas,estava em um apartamento com câmeras de segurança,num edifício considerado seguro.O que deveria ficar como lição desta barbárie é que cada vez mais nos tornamos vítimas fáceis da nossa própria falta de consideração com a vida,com o outro mais próximo que o que aparece na tv ou nos vídeos do Youtube!Pouca gente que conheço sabe quem é seu vizinho da frente,mas tem amigos do outro lado do mundo,via internet,com quem falam sobre tudo todos os dias!Falo isso porque enquanto nos comovemos,com razão,com a má sorte de Isabella,que nos chega pela tv ou e-mails,milhares de outras crianças no Brasil estão sendo vítimas de toda a sorte de abuso e violência doméstica,ficam nas ruas se prostituindo,são assassinadas,passam fome,são abandonadas recém-nascidas em sacos plásticos (algumas jogadas em rios),são vítimas de trabalho escravo,são vendidas,torturadas por patroas insanas.Por quantas crianças na sinaleira a gente passou hoje?Quantas tentaram te pedir moedas esta semana?Para quantas crianças você já estendeu a mão e fez caridade mesmo não sendo natal,ou já fez trabalho voluntário?Quantas crianças,suas vizinhas,filhos de conhecidos ou amigos você já ouviu ou viu ser espancadas pelos pais ou pessoas próximas?Para quantas crianças hoje, a gente olhou com mais amor ou se preocupou, com o mesmo interesse que estamos no caso de Isabella?Talvez eu esteja sendo muito dura,mas aproveito o fato para pedir que todos nós,não só aqui do recanto,mas quantos mais puderem ser alertados,para que cuidemos mais das crianças que conhecemos.Acorda Brasil!O futuro depende da nossa omissão ou interesse,mesmo com o risco de parecermos doidos,vale a pena sair da frente do computador e colocar a mão-na massa,ir na escola de seu bairro,creche,descobrir uma forma de ser útil.Não calar quando sabemos de uma criança em risco em nosso grupo de conhecidos..Não podemos trazer Isabella de volta,mas podemos ajudar muitas crianças a serem adultos mais sadios e pouco capazes de serem autores de atitudes como a que a vitimaram.