Daqui não saio...
Daqui não saio...
Ana Esther
Porto Alegre. Casa de uma paciente. Próximo ao aeroporto.
Esposa – Morar próximo ao aeroporto não é fácil. Ai, que dor de cabeça. Cada avião que passa por aqui quase me mata, Doutor.
Médico – A senhora não tem possibilidade de se mudar, ir para um lugar mais calmo, mais silencioso?
Esposa – Mas como, Doutor? Nós levamos anos para conseguir acabar a nossa casinha nesse terreno que meu marido herdou.
Médico – Quem sabe vocês vendem a casa? Ela está muito boa. Talvez encontrem alguém que não se importe com o barulho dos aviões. O que não pode mesmo continuar é a sua saúde sendo constantemente minada pelos efeitos da poluição sonora.
Marido – Doutor, isso tudo é frescura da minha mulher. Ela exagera muito. Eu também moro aqui e não sofro nada. Quanto a vender a casa, nem pensar. Foi um sacrifício construí-la, melhorou muito o nosso conforto. O senhor precisava ver como era ruim morar naquela ‘maloca’ de antes!
Cinco anos mais tarde... num encontro casual
Marido – Mas, Doutor, o senhor realmente acredita que a minha mulher morreu por causa do barulhão dos aviões?
Médico – O que houve é que sua esposa, ao longo dos anos, foi acumulando os danos causados pelo barulho. Ela tinha dores de cabeça fortíssimas, ficava irritada com os ruídos altos e a trepidação, passou a ter problemas de sono. A insônia levou-a a desenvolver uma depressão e, no final, todo o organismo dela foi afetado.
Marido – Bem que o senhor avisou para nos mudarmos. Mas eu adoro esta casa. Só saio daqui morto.
Um ano depois, no aeroporto.
Marido – Olá, doutor, há quanto tempo! Como vai o senhor? Viajando?
Médico – É, vou a um congresso em Minas Gerais. E o senhor, como está?
Marido – Vou maravilhosamente bem. Doutor, o senhor vai cair sentado se eu lhe contar que eu estou indo de muda para Guarapari, no Espírito Santo! É, casei-me com uma capixaba linda de morrer. E ela tem uma pousada lá numa praia belíssima, tranqüila o que dá. Vou começar vida nova, bem longe dessa barulheira infernal dos aviões. Aqui tem o nosso endereço nesse cartão. O senhor será nosso hóspede, apareça! Oh, está na hora do meu embarque. Tchau, Doutor!