Um imprevisto de viagem
Apesar de o sol se encontrar na varanda é possível que o gato se comporte de modo brusco. O sol entra agora na cozinha. Com a imaginação fortalecida esta é uma fase em que tudo lhe sorrirá. O sol sob o seu trabalho rotineiro de telhas é excelente para escalações e miados indecentes.
De forma inesperada receberá a notícia de uma grande viagem e quem cuidará do bichano? Será importante conceder a tudo um espírito suave e tranqüilo ao mesmo tempo. Na condição de felino parece pouco impressionado pelas dificuldades que atravessa na mesmice. Pula para o colo com elegância societária. O sofá é dele e meu.
Num desvario lhe mataria. (Quando toco violão rasqueado é ele quem se propõe ao suicídio). Mãos à obra. Corro atrás dele, todavia a sua natureza hábil é distinta no espaço e no tempo. Some pela janela e desce o heliotrópio com garras de tigre. Depois retorna para espiar o homem de pijama e zombar dos pares de meia que usa sobrepostos no inverno. Sua esfinge na silhueta se alonga até o vaso Chin de um e noventa e nove. Decido não me apegar nem me levar por emoções mesquinhas. Há apenas uma viagem e um gato a mercê dos fatos. O vizinho indaga o nome do bichano num assunto de escada e lixo.
- Ptolomeu.
- O quê?
- Ptolomeu Soter.
- Ah! Soteropolitano.
- Macedônio.
- Sei. Vou para Azenha. Tenho um gato também, mas ele é modesto. O nome dele é Pinga. Pinga nos íis e corta os tts. Foi dizendo: sabe (sabe longo) fui convidado para palestrar num simpósio e ele subiu no táxi comigo. Quando dei por mim ele estava em cima do discurso na metade do assunto.
- Familiar. Era uma palestra sobre ração para felinos.
- Como você acertou?
Boquiaberto acentuou por mais meia hora os dotes de inteligência do seu animal de estimação e acabou recusando Ptolomeu por uns dias em sua casa. Sequer envolveria muita responsabilidade. Depois o carteiro chegou com a última da empresa. A reunião estava cancelada.
Voltei ao jornal e ouvi um miado. Esse miado conferiu um bom aspecto de sol mesmo com o futuro próximo da invernia.