Isabella e os brasileiros
Por que o “Caso-da-menina-Isabella” tem provocado uma comoção em massa tão grande na população brasileira? Muito já se falou sobre a razão vir do fato de ser uma menina branca, fotogênica, de classe média (alta), e que foi envolvida em um ato brutal imerso no mistério da não confirmação do(s) assassino(s). Outros analisaram que o caso parece uma novela – e brasileiro adora uma novela. De qualquer forma, estas razões das mais variadas também revelam outros índices sociológicos, e para não dizer antropológicos mesmo, deste tipo de brasileiro: o do Deslumbrado.
O brasileiro deslumbrado (deslumbris brasilienses) é aquele que, como o adjetivo lhe classifica, se deixa fascinar pela luz, como um inseto atraído pela luz, é levado por ela, e, quando cessam os efeitos da luz, cessam os efeitos do deslumbre e da atração.
O Caso-Isabella está sob a luz deslumbrante da emoção da vez. Quando esta luz cessar, a atração pelo caso também cessará. Durante este momento de comoção é possível ler pela Internet poemas e poemas em tributo à Isabella: Isabella virou um anjinho; ela agora sorri para nós; ela gosta de ver as pessoas felizes, etc (Uma observação quanto aos poeminhas: Cara, eu não sei quanto a vocês, mas se eu morresse assassinado desta forma tão brutal e desprezível a última coisa que eu faria seria morrer feliz e contente; caso eu não tenha alcançado um nirvana de monge durante minha morte, eu ia era morrer muito fulo da cara, e se virasse um anjinho de luz não iria sorrir não, iria era puxar toda noite os pés dos assassinos que querem se safar da culpa, e iria mandar as pessoas deixarem minha vida após a morte em paz! E mais: daqui a uns anos, quando alguém fosse comprar o apartamento do meu pai, eu juraria que não ia aparecer como visão para ninguém, para não me revirar no túmulo quando a mídia lançar um especial sobre a família que ouve meus choros e me vê na janela do apartamento, eu iria era pedir para reencarnar com urgência!).
A televisão, por sua vez, traz sempre um vídeo novo e uma foto nova de Isabella. A mídia traz sempre uma notícia exclusiva, em primeira mão, quentinha, sobre o caso. Leia as últimas notícias: “Vizinhos que testemunharam a cena do crime foram à padaria comprar bisnaga”, “Vizinhos que testemunharam a cena do crime já terminaram de comer a bisnaga”. Extra! Extra!
A mídia ganha Ibope explorando o caso ao máximo, mas mostra o que o público quer ver, o público quer consumir o caso Isabella. Isabella, esta que virou celebridade post mortem. O público gosta de se emocionar, de se comover. Mas esta é a questão que o deslumbris brasilienses levanta: entoam-se odes ao anjinho Isabella, fazem-se passeatas contra a injustiça e impunidade do país, mas e as Isabellas que morrem de dengue? E as Isabellas que são prostituídas pelo país afora? E as Isabellas que trabalham de forma escrava nos canaviais? Essas Isabellas não comovem o deslumbris brasilienses, não se entoam poemas para as Isabellas escravinhas nem morrem como anjinhas as Isabellas da dengue. Por que não se fazem passeatas com camisetas brancas estampadas dentro das câmaras de vereadores, dos ministérios públicos, dos palácios dos governadores, das secretarias de estado? Mas não! Vão-se acender velas pela paz nas praias! O poder público que não promove saneamento básico, saúde, segurança, nem protege as Isabellas prostituídas, este poder público não está tomando banho de sol nas praias nem acompanha as passeatas de camisas brancas.
Isabella será esquecida quando as luzes se apagarem. Assim como foi esquecido aquele menino, o João Hélio, lembram?, e outros assassinatos de crianças antes dele e que comoveram a população. Sim, o brasileiro é emotivo, age pela emoção. Mas as emoções passam. E as ações emotivas não são racionais, não são transformadoras, consistentes, revolucionárias, são apenas reações deslumbradas. Este é um dos males do brasileiro, e um forte índice que, se este comportamento não mudar, outras Isabellas morrerão e seus responsáveis permanecerão impunes, sejam eles os pais, o Estado ou a sociedade.