Direitos Humanos
Entrou na sala em prantos:
- Nunca mais quero ouvir falar de Direitos Humanos! Nunca mais!
Imóvel, o professor da disciplina, que também ministrava aulas de Ética para outras turmas, sentia-se perplexo.
Das mais brilhantes do curso, a aluna se empenhava tanto nas atividades universitárias quanto nas humanitárias praticadas voluntariamente nas delegacias, presídios, penitenciárias, colônias penais agrícolas e centros de caridade. Numa visita ao presídio da cidade vizinha, apaixonara-se por um dos hóspedes.
Pais, irmãos, amigos e o professor opuseram-se à paixão, alimentada duas vezes por semana – uma, na terça-feira, quando desenvolvia um projeto da universidade; outra, no domingo, dia de visita íntima.
Os gritos sucintos estouravam a narração: trocada por um detento. Como – linda, perfumada, sapatos da moda, saia provocante e coxas insólitas – trocada por um homem?
O professor defenderia o direito de escolha, mesmo que um homem escolhesse outro homem, mas preferiu se calar.
As colegas de Serviço Social exigiam vingança. Ele a usou, abusou, lambuzou e depois jogou fora. Todas falavam ao mesmo tempo. Uma senhora aposentada sugeriu contato com facções rivais para dar fim no sujeito.
O professor sentou-se na mesa:
- Querem uma boa receita para resolver o problema da traição?
As alunas assinalaram positivamente.
- Pois, bem. Todos estamos submetidos à regra jurídica, iniciou o professor. Se violada, temos de pagar pela violação.
- Eu quero matar o desgraçado!
- Matar? Não. Eu sou contra, continuou o professor. Sou a favor dos Direitos Humanos, mas não estamos incapacitados de aplicar sanções de cunho social, moral, ético e pragmático ao seu ex-namorado.
As alunas interessaram-se, especialmente a traída.
- O primeiro passo é contratar seis homens fortes. Cada um deles deve dar uma surra no fulano por quinze minutos seguidos. Sem intervalos. De modo que acabada a tarefa de um, inicie-se seguidamente a do outro, sem chances para o fulano escapar ou descansar. Depois, os seis homens juntos darão pauladas durante cinco minutos. Todos juntos e ao mesmo tempo. Matar? Não. Sou a favor dos Direitos Humanos. O fulano estará mais morto do que vivo, mas ainda vivo. As pauladas vão abrir feridas em seu corpo. Aí, é hora de dar um banho nele de água quente com sal. Então, ele estremecerá, gritará, rolará, pulará.
Sorrisos quebravam o constrangimento.
- Após o banho, o fulano levará uma nova surra. Desta vez, uma surra de urtiga. Por quinze minutos. Ele deverá necessariamente gritar para demonstrar que ainda está vivo. Lembrem-se: sou a favor dos Direitos Humanos!
A comicidade e a ironia invadiam a sala.
- A parte mais fácil, prosseguiu o professor. Dêem-lhe um banho de mel e joguem-no amarrado sobre uma casa de formigas de cabeça grande e de mordida carnívora. Escolham um formigueiro onde o sol camufle o ambiente aprazível. Esperem duas horas, coloquem-no de pé, dêem um tiro no saco escrotal e levem-no ao hospital. Não podemos deixá-lo morrer. Afinal, minhas senhoras, lembrem-se sempre disso: sou a favor dos Direitos Humanos!
Uma aluna aposentada, que tomava nota minuciosamente, perguntou se aquilo era tudo.
- Por fim, arrematou o docente, uma visita de solidariedade. Um ramalhete de flores e, dentro dele, uma faca pequena suficientemente afiada para cortar-lhe o nariz.
Uma ruiva deu gritos de vivas e aplaudiu entusiasmadamente. As colegas a acompanharam na ovação. A aposentada, vivida, viajada e prática, explicava que aqueles quinze minutos de aula valeram mais do que um mestrado eventual, um doutorado sonhado, um carnaval em João Pessoa, cinqüenta dias pela Europa, ouvir Ravel ao fim da tarde ou Chopin depois do almoço, ler Josué Guimarães ou Assis Brasil, comer chocolate, beber um vinho gaúcho...
*Crônica publicada originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 17 de abril de 2008.