Rua 10 nº 35
Rua 10 , nº 35
Apenas um endereço? Não. Aqui ficou um pedaço da minha vida. O pedaço mais puro , mais doce, rico em travessuras, cheio de joelhos esfolados, rico em risos e lágrimas. Aquela fase da vida em que os dias eram mesclados por..."mamãe, não fui eu..." , "mamãe , ele me bateu", " tá bom... prometo que não faço mais...". e quando precisava, o refúgio mais acolhedor era sem dúvida o colo da mamãe. Sim , o endereço mais especial de todos, o endereço da infância, da pureza, onde a vida brotou.
Era uma rua em um bairro pobre, chão de terra batida sem o luxo da pavimentação, mas muito rica em recantos , que a imaginação transformava em paraiso. Poucas casas, muitos terrenos baldios e cada um deles era um cenário especial. Os que tinham muito mato, eram as florestas, que mesmo em dias ensolarados podiam ser sombrias e assustadoras de acordo com a história que viveríamos lá. Em outros lugares montávamos palcos imaginários onde cantávamos nossas canções prediletas e todos aplaudiam. Transformávamos em estrelas da época.
Sumíamos pelas ruas e casas da vizinhança e nem precisávamos dizer onde estávamos. Pés descalços era a regra. De vez em quando um dedão enfaixado, alguns pontos no supercílio, mas nada que impedisse as travessuras. Outras vezes um braço quebrado, aí sim mais grave, mas a imaginaçao não se engessava e suas asas nos levava para longe.
As vezes cumpria um castigo por algo que tivesse feito, daí tinha de ficar em casa refletindo sobre o fato. Mas que nada, aproveitava essas horas e me entregava aos meus pensamentos. Adorava fantasiar sobre fadas. Entregava-me de tal forma que podia vê-las bem ali ao meu lado e até tocá-las e conversar com elas.
Eram lindas as minhas fadas em suas vestes esvoaçantes em tons pastéis, tão suaves. Criaturas etéreas que pairavam sobre as plantas do jardim. Pairavam apenas, não podiam tocar o solo, pois não pertenciam ao mundo terreno.
Passava horas a fio e quando acordava desse devaneio, vinha uma certa decepção... não era real, que pena.... eram tão lindas!. Mas o mais importante era poder sonhar, era ter a inocência pueril e sonhar.Não tinha importância, elas voltariam quando eu as chamasse.
E esse tempo passou....como inevitavelmente passaria. O desabrochar da minha vida... tão longínquo, mas tão vivo em meu coração. Guardo com ternura na lembrança o endereço Rua 10 , nº 35....e é sempre bom voltar lá....