O banco que inventou a fila expressa
O BANCO QUE INVENTOU A FILA EXPRESSA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 16.04.2008)
Curitiba, PR - Houve dia em que a movimentação nas agências bancárias era muito grande, concentrada nas operações do deve e do haver efetuadas na boca do caixa. Só havia duas coisas que se faziam em um banco: pagar contas (o deve nosso que alimenta o haver do credor) e descontar cheques (a rara inversão da seta que sinaliza o fluxo do dinheiro).
Gerente de banco era uma coisa muito distante e inacessível, quase nunca visto a não ser em situações de crise. Por exemplo, para atestar que o idoso senhor que assinou o cheque em letras trêmulas e desconformes com a ficha arquivada na agência há 20 anos era mesmo quem ele dizia ser. Ele atestava e rubricava em baixo e então o caixa acatava o cheque do velho senhor e ninguém mais questionava a verdade sacramentada por aquele rabisco largo e apressado, de marcante talhe gerencial.
Naqueles dias, as agências bancárias dispunham de infinitos guichês, cada qual guardado por um zeloso e atarefado caixa por cujas mãos passavam fortunas incalculáveis em dinheiro vivo. Nos salões imensos, os caixas espremiam-se contra a parede dos fundos para dar todo espaço possível à multidão de clientes que tomava as agências das 9 ou 10 da manhã até as 4 da tarde. Fora desse horário, somente eram aceitas e processadas as transações bancárias dos amigos do gerente, que os recebia como visitas de cortesia que supostamente tratariam de outros assuntos quaisquer, o que não era verdadeiro, claro está.
Nesse ambiente multitudinário, inventaram-se as filas: longas e lentas fileiras compactas, formadas desde a entrada até cada caixa, alinhavam-se lado a lado, cada qual vigiando a velocidade das vizinhas. Eram então comuns as deserções, pois a fila ao lado sempre anda mais depressa do que a nossa - mesmo quando a nossa, agora, é aquela que antes estava mais rápida. Havia gente que tinha tempo bastante, até chegar sua vez de entrevistar o homem do guichê (funcionários de banco que tocavam em dinheiro eram exclusivamente homens), de fumar três cigarros sem atropelo. Todo mundo fumava dentro de uma agência bancária (como também dentro de ônibus, aviões e elevadores): do cliente extenuado ao caixa irritadiço.
Óbvio que à época não havia, para diluir filas e descentralizar serviços, recursos comuns hoje em dia, como a Internet e o celular. Nem mesmo o atendimento por telefone existia. Sequer os caixas eletrônicos haviam sido inventados. Mas inventou-se, tempos depois, a fila única, atendida pelo primeiro caixa disponível. Com isto, sumiu a preocupação com a velocidade da fila ao lado, pois esta, simplesmente, não mais existia, se desconsiderarmos a fila dos velhinhos, dos deficientes físicos, das grávidas e das pessoas com crianças no colo.
A maravilha se completou quando alguém, algures, teve o bom senso de observar o absurdo daquela imensa fila única a dar voltas sobre si, inventou a fila virtual, organizada a partir de senhas numéricas seqüenciais, e povoou com cadeiras o imenso espaço aberto das agências no qual as pessoas esperavam horas de pé.
Agora, um banco estatal agregou nova invenção à história das filas: como seu atendimento é muito lento, e como costuma alocar poucos caixas, instituiu a fila exclusiva do "caixa a jato", disponível a quem quiser desde que vá realizar até duas transações. Hoje, a fila "a jato" é enorme nas agências do banco e as pessoas brigam, quase se estapeiam, e dizem: "sinto muito, mas meu lugar é aqui, na sua frente, pois a minha senha é mais baixa do que a sua".
As agências bancárias, é inegável, voltaram a ficar animadas.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Insidioso Fato - Algumas historinhas cínicas e moralistas", contos)