O AVANÇAR DO TEMPO

Uma das coisas que mais gosto de fazer em meus momentos de folga é caminhar pelas ruas de minha cidade. Moro em uma cidade à beira-mar, plana em quase toda a sua área territorial, com um clima agradável na maior parte do ano, o que possibilita e incentiva muito esse tipo de atividade que me presto a realizar.

Caminho pelo calçadão da orla ou à beira do mar, sentindo o contato da água salgada com meus pés descalços.

Mas as andanças que mais me sensibilizam e me fazem flutuar no espaço indelével de meus pensamentos são aquelas que faço pelos lugares onde a maioria das pessoas freqüenta apenas por obrigação.

E, andando por esses lugares da minha cidade, acabo por sucumbir às recordações de uma época em que me via repleto de sonhos e esperanças. Desperta dentro de mim uma inevitável nostalgia, a lembrança das desilusões sofridas e da fé por muitas vezes abalada, as alegrias sentidas, e as muitas saudades de um tempo da minha vida que, é claro, não volta mais. Dizem que não se deve viver do passado, tenha sido ele glorioso ou não. Eu concordo, mas a saudade é algo próprio do ser humano e não adianta querer negar, pois todos, sem exceção, a sentem em um ou outro momento da vida.

Andando por aí, olhando tudo aquilo que ali está há muito tempo, lembro dos amigos de várias épocas e de quem não tenho mais notícia alguma, da casa de meus pais que ainda está lá (bem modificada, mas que ainda resiste ao progresso), dos jogos de futebol nas ruas de terra, das escolas onde estudei e muito aprendi, dos amores da adolescência, dos bailes nas casas particulares, dos carnavais ainda respeitosos e de muito mais coisas que não caberiam neste espaço.

Nessas ocasiões me vem ao pensamento por que, à medida que o tempo vai avançando e nos deixando para trás, somos acometidos com mais intensidade por essas lembranças, muitas vezes com um certo sentimento de tristeza por algo que pode ter sido tão bom em nossas vidas. Incoerências, paradoxos, senilidade, chamem como quiserem, mas eu sinto exatamente assim. E acabo por perceber uma sensação indescritível dentro de mim, uma mistura de sensações que não tenho mesmo como descrever. Dá vontade de sorrir e até de rir, dá vontade de chorar, dá vontade de soluçar, dá vontade de voltar.

O passar do tempo nos transforma. Ao longo da vida são tantos os fatos que nos acontecem, que acabamos nos identificando como seres mutantes dentro de uma lógica de viver que, muitas vezes nós mesmos contestamos, mas adotamos.

Finalmente, quando nos damos conta de que já vivemos mais tempo do que ainda nos resta, que a época em que éramos ébrios de sonhos e que a certeza da imortalidade já não existe mais, é chegado o momento em que passamos a pensar no fim da jornada, algo que acho perfeitamente natural, desde que não aconteça o abandono precoce pela vida. Negar-se a pensar nisso é insensatez.

Admiro aqueles que levam a vida com a plena consciência desse ciclo, mesmo com a idade já avançada, mas que não se entregam nunca, inclusive naqueles momentos de maior dor física ou dor da alma.

Até que ao ler o que escreveu Norberto Bobbio consegui entender a minha dúvida. Diz ele: “O tempo do velho, repito mais uma vez, é o passado. E o passado revive na memória. O grande patrimônio do velho está no mundo maravilhoso da memória, fonte inesgotável de reflexões sobre nós mesmos, sobre o universo em que vivemos, sobre as pessoas e os acontecimentos que, ao longo do caminho, atraíram nossa atenção”.

Aí, eu passo a ter a certeza de que o tempo também passou para mim e que as lembranças que tenho são, talvez, o maior patrimônio de que posso dispor.

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Arnaldo Agria Huss
Enviado por Arnaldo Agria Huss em 16/04/2008
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