Carta pra Deus

Se for verdade que você é meu amigo, acho que posso deixar de lado o formalismo e as letras maiúsculas quando te faço referência. Pensando bem, não deveria ter começado essa carta com esse advérbio de dúvida. 'Se', é pra quem duvida. E eu não duvido mais. Você me conhece como ninguém e sabe tudo que carrego no meu coração. Sabe das minhas dúvidas, da minha incredulidade, das minhas deficiências. Sabe que já praguejei um sem-número de vezes e questionei fatos inquestionáveis. Eu precisava ver, precisava tocar pra saber se era real. E você, bem, você não podia ser real; eu não te percebia em nenhum dos sentidos que me foi concedido. Eu precisava de respostas plausíveis pra tudo, me baseava na ciência pra explicar o que os outros entendiam como divino. Independente disso, tinha lá minhas crenças. Na verdade, eu estava na tênue linha que divide os que crêem dos que passam longe disso. Eu rezava antes de dormir, pedia sempre as mesmas coisas e agradecia pelo dia que tinha acabado. Só. Levava minha vida crente que era a dona do meu destino, que as coisas aconteceriam de acordo com o que eu fizesse. Em parte eu estava certa.

Minha mãe sempre esteve lá, me falando de você, ostentando uma fé inabalável, coisa que nunca passou pela minha racionalidade ser possível. Pra mim, ter fé era coisa de pessoas que não tinham esclarecimento, que precisavam se apegar a algo extra-sensorial pra explicar as adversidades que eles próprios criaram através de escolhas erradas no longo processo da vida. As missas me incomodavam, nada que se referisse a você me interessava. Eu estava bem comigo mesma, não precisava de você pra nada, só pra me proteger quando eu estivesse em perigo, porque aí você era o primeiro que eu chamava. Você deve estar pra lá de acostumado com esse tipo de gente. Eu era uma dessas pessoas.

Só que aí um dia eu precisei de você e você estava lá. E aí me peguei te pedindo coisas sabendo que você me daria. Identifiquei você na minha vida desde sempre e me senti uma idiota por ter desprezado sua companhia tanto tempo. Você tava ali, do meu lado, me pegando pela mão quando eu precisava, apontando pra mim no meio de tanta gente.

Eu não vou deixar meus cabelos tocarem a cintura, meus pêlos crescerem, minhas saias arranharem os joelhos. Não vou andar com sua palavra debaixo do braço e anunciar a boa nova pra todos que me cruzarem o olhar na rua. Não vou levantar a mão no meio de uma celebração em seu nome, me batizar novamente, virar carola de igreja. Não vou deixar de pensar o que penso, de dizer o que digo, de dançar, beber, sair, me dar pra quem eu acho direito. Eu continuo sendo a mesma de sempre. Só que agora eu estou segura. Eu sinto você comigo onde quer que eu vá e sei que me inclinará pelos melhores caminhos, vai me orientar a tomar as melhores decisões. Sei que afastará de mim todo o mal e atrairá tudo que possa me fazer bem de alguma forma, ainda que instantaneamente. Sei que você vai me deixar chorar, vai me deixar cair, vai puxar minhas orelhas com força quando eu pensar em errar, mas de alguma forma isso tudo vai servir pra eu aprender, crescer, amadurecer. Eu quero me tornar alguém melhor e já posso sentir as mudanças. As oportunidades estão vindo mais rápidas do que eu pensava. As pessoas estão surgindo como água na corredeira. É, você está comigo e me permite ser eu mesma, sabe que eu amo você do meu jeito, que te carrego na minha vida, que te arrasto no meu coração. Amor é isso aí. O resto é qualquer coisa.

15/09/2004

aishiteru
Enviado por aishiteru em 16/04/2008
Reeditado em 07/10/2009
Código do texto: T947788
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.