Andanças

Todos os escritores possuem uma musa (favor não pensar em uma mulher de extrema beleza). De acordo com a mitologia grega, assim eram as musas: mulheres de grande encanto que poderiam inspirar qualquer um a criar uma magnífica obra de arte.

Óbvio que tais mulheres mitológicas não existem. Quando uso a palavra musa, penso em qualquer coisa que inspire o poeta - independente da fonte de inspiração.

Creio que existem dois tipos de musas: a fixa e a mutável.

A mutável é aquela que pode surgir a partir de qualquer coisa. Talvez um jarro de flores, um carro, uma pessoa ou até mesmo um campo de futebol dê ao artista a inspiração necessária para que ele faça uma boa obra.

A musa fixa é o meu “problema”. Um belo exemplo é a provável musa de Vitorino Carriço (poeta de minha cidade). Creio eu que sua musa era uma simples janela, pois ele ficava por horas na janela de sua casa conversando com quem passava pela calçada, observando o céu e sentindo o vento. Talvez tenha sido com a ajuda dessa janela que ele escreveu belíssimas obras.

Já a minha musa é a andança. Sou notívago, gosto de caminhar à noite ou de madrugada que é quando minhas melhores idéias brotam. O vento sereno, a beleza do céu noturno, o silêncio das ruas abandonadas e outros elementos mais formam um conjunto de coisas que fazem com que idéias fluam avidamente por minha cabeça.

Nem sempre minhas andanças foram solitárias, já tive alguns bons companheiros. Eles certas vezes instigaram minha inspiração, n'outras apenas fizeram com que tudo se confundisse e eu perdesse minha linha de raciocínio. Mesmo assim nunca desprezei essas companhias.

Desde pivete eu amo a madrugada, lembro-me que tudo começou com minha segunda bicicleta. Gostava de sair de casa antes das seis horas da manhã e vir até a Praia dos Anjos pedalando, sentava num dos bancos do calçadão e via o sol nascer. Depois dava umas voltas de bicicleta e ia pra casa. Com o tempo fui deixando a bicicleta de lado e começando apenas a andar.

Como já disse, prefiro andar de noite ou madrugada, mas quando não há como fazer minhas andanças nesses horários eu tento andar a tarde mesmo. Definitivamente não é a mesma coisa, mas (seguindo o ditado) que mal há de trocar cães por gatos? Felizmente tempo nunca foi um problema para mim... Sou um vagabundo.

Quando estou com a madrugada não me sinto apenas mais alguém no mundo, me sinto em paz, relaxado, tranqüilo e acima de tudo inspirado. Por isso estou agora, nesse exato momento, escrevendo na Praia dos Anjos. Sentando num banco do calçadão, ouvindo o barulho das ondas e sentindo o vento às duas horas da madrugada.

Poucos são os que fazem a mínima idéia de como amo isso, como esse momento me deixa feliz...