CONTADORES DE HISTÒRIAS


          O alarme soou. Chovia... Que vontade de virar de lado e continuar dormindo. Seis e meia! Cedo demais. Virei mesmo e quase adormeci novamente, mas uma força imperiosa chamou à realidade. Tinha um compromisso importante. Um treinamento na FEAC (Federação das Entidades Assistenciais de Campinas). O nome diz tudo. Congrega assessora, supervisiona e fornece auxílio material a instituições beneficentes da cidade. Está diretamente relacionada à Fundação Odila e Lafayette Álvaro.*

          O treinamento de hoje foi baseado no trabalho dos Griots, que realizaram os primeiros workshops na sede da FEAC, que congraça equipe de alto nível reunindo contratados e voluntários.

          Forma-se uma roda começa nosso dia. Depois de uma breve apresentação das facilitadoras, recebemos uma proposta simples.

          Neste caso, tudo começou pelo nome. “Diga seu nome e conte um pouco da história dele”, foi o que nos pediram. Senti um reserva inexplicável, que histórias poderiam surgir da escolha de um nome, ou do significado do nome? Logo me surpreendi. Ouvi uma história fascinante e emocionante.

          Primeira apresentação:
          -Meu nome é Nadir.**
          Nasci numa cidade do interior de São Paulo, não muito longe de Olímpia. Quando eu nasci, minha mãe tinha apenas dezoito anos. Eu deveria ter nascido num hospital, mas os trabalhos de parto começaram inesperadamente. Enquanto a notícia correu e meu pai preparava-se para levar minha mãe para o hospital, chamaram uma parteira... Na opinião dela, minha mãe não poderia ser removida, haveria risco de vida. Meu pai telefonou ao médico e foi orientado a deixar que a parteira fosse cuidando de minha mãe. Ele estaria vindo para a nossa casa para acompanhar.

          Quando o médico chegou, eu já havia nascido com cinco quilos, mamãe estava mal, com complicações decorridas de um parto tão difícil. Assim, o médico disse embrulhem o bebê num cobertor e vamos cuidar da mãe que inspira cuidados. Assim fizeram, mas contam que eu chorava sem parar até que alguém chegou para ajudar e me banhou, trocou... mas eu continuava chorando. E assim foi até que três franciscanos amigos, consultados opinaram que eu chorava porque não fora acolhida. Então me tomaram e me levaram à igreja com o propósito de fazer a minha acolhida e batizar-me. E assim fizeram e contam que finalmente parei de chorar. Era meia-noite a hora em que ocorreu meu batismo. Alguns dias depois, quando puderam pensar no meu registro e em escolher um nome, os padres disseram que eu já tinha um nome, recebera na hora do batismo e que meu nome era Nadir, o mesmo de minha mãe. Dessa forma estabeleceu-se um vínculo muito forte entre nós, pois tínhamos as duas o mesmo nome.

          Perguntamos se ela sabe que Nadir está relacionado a um ponto no céu, ao nascimento do sol. Ela diz que não. Nadir é o oposto ao zênite. Ora o zênite é o ponto mais alto, nadir, então o mais baixo, junto ao horizonte. Que bela simbologia para um nome e a forma como foi recebido.

          As histórias continuam, e eu nunca imaginara o quanto poderiam mesclar-se. Motivos de escolha semelhantes. Em torno disso, promessas diante da incógnita da gestação, a probabilidade de um parto difícil, o apreço a um parente, a devoção a um santo, a continuação de um nome da família, o nome de uma heroína de um romance, de um filme, de um concurso de miss, de uma novela, da moda, para seguir uma letra. Os nomes raros, os nomes comuns, os nomes escolhidos pelo pai, pela avó, e curiosamente, naquele grupo, nenhum pela mãe.

          Histórias de nomes que foram trocados, do pai que saiu com um nome e voltou com o registro do bebê feito com um nome diferente, de crianças que só foram registradas já na fase escolar e, depois de serem chamadas durante muitos anos por um nome, tiveram seus nomes mudados. De pessoas que gostam de seu nome, que não gostam que ao longo da vida tiveram que identificar-se com mais de um nome, porque quando se depararam com sua certidão de nascimento, descobriram que o nome pelo qual eram chamadas não era o que ali constava.

          Será que de acordo com o nome construímos um personagem e nos identificamos com ele? Essas histórias nos uniram... Intervalo.

          Voltamos. A proposta agora é construir um personagem, um fantoche de meia, com um material elementar, colocado à nossa disposição:

          São agulhas, lãs, botões, canetas, tesouras, fitas, linhas, papel crepom. Impasse. Vejo que todos se mexem, mas não sou assim tão criativa. Que personagem quero criar para mim?

          Depois de hesitar um pouco, escolho o papel crepom que sempre me atraiu e faz parte do meu imaginário infantil, recurso bastante disponível quando eu era criança. Olho as cores e escolho o amarelo. Dobro o papel, corto, picoto e faço um sol, rapidamente. Enquanto passeio pelo grupo e vejo o que vai surgindo, algo dentro de mim se remexe:
Um cachorro, um sapo, uma bruxa, um menino, uma menina, uma cobra, uma cachorrinha, uma modelo, um “hemo” (o que é isso? eu perguntaria) uma família (alguém fez três personagens, um na ponta de cada dedo!!!), uma fada madrinha... Não conseguirei lembrar de todos, mas eram belos e bem feitos. E eu pensando: - o que faria enquanto sol?

         Na minha apresentação, havia dito que tenho um projeto de escrever para crianças.
         “-Você é a contadora de histórias é o que me dizem." Então veja todos estes personagens.
          E procure uni-los através de uma história. Bomba!!! O chão sumiu. Fácil é sentar diante do teclado ou mesmo do papel como às vezes faço, mas ali... Meu estômago embaralhou, não sei que expressão havia no meu rosto, mas algo me fortaleceu internamente. Unidos por um Ideal maior, quem iria avaliar, criticar, censurar o que eu faria, se estava acertando ou errando, se era boa ou ruim a minha história. Quando se conta uma história num abrigo, numa creche, num hospital, num asilo, o quê mais importa? O sentimento do coração, o sentimento de igualdade, de que estamos numa troca (porque é isso que verdadeiramente acontece e todos ali sabem, sabem que muitas vezes mais recebemos do que oferecemos).

          Então fui para fora do círculo, (sem querer criei um suspense, porque pensaram que eu iria desistir) e levantei meu “fantoche” por trás das cadeiras, comecei a fazer um barulhinho de quem está respirando mais fortemente ao acordar, espreguiçando.
           Depois, fui para o centro do grupo, agachada, porque todos estavam sentados com seus fantoches nas mãos, fiz minha parte o melhor que pude, sem artificialismos. Creio que construímos uma boa história, a dos amigos do sol e dos amigos da lua, mas isso já é uma outra história...




*“A Fundação FEAC congrega 110 entidades sociais e seus departamentos, que assistem, direta e indiretamente, cerca de 60 mil pessoas em todas as fases da vida (crianças, adolescentes, idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, etc).

As verbas destinadas às 110 entidades filiadas e departamentos, mensais e sazonais, mais os recursos destinados ao desenvolvimento de projetos próprios são provenientes da administração de seu patrimônio, de eventos e projetos de arrecadação de recursos, além de captação junto a bancos de fomento. O investimento da FEAC na ação social em Campinas, nos últimos cinco anos, foi superior a R$ 30 milhões.

A Fundação FEAC estimula a criação e promove o auto-sustento de novas entidades e serviços de natureza social, que atinjam setores de baixa renda da comunidade e que promovam a inclusão social, além de procurar articular os esforços desenvolvidos pela comunidade para solução de seus próprios problemas na busca de reunir iniciativas que eram feitas de forma isolada.

“A Fundação FEAC tem como objetivos a promoção humana, a assistência e o bem estar social, com prioridade à criança e ao adolescente de baixa renda, na região de Campinas.”

“ Prestando assessoria técnico/científica às entidades filiadas através de uma equipe multidisciplinar. Com a implementação de vários projetos e programas é realizado um atendimento permanente e direto de cerca de 15 mil pessoas de baixa renda, sendo 90% de crianças e adolescentes. Cerca de 45 mil pessoas são atendidas de forma indireta, somando cerca de 18% da população de baixa renda de Campinas.

A Fundação FEAC e as entidades filiadas trabalham, de modo integrado e solidário, em diversas formas e tipos de programas, que incluem creches, centros comunitários, programas de atendimento sócio-educativo complementar, cuidados com portadores de necessidades especiais e sua promoção, programas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, deficiências imunológicas infantis, saúde mental, abrigos de crianças e adolescentes em situação de risco e pessoas na terceira idade. Desenvolve projetos próprios através de parcerias com o primeiro, segundo e terceiro setores.”

Diretamente da página da FEAC www.feac.org.br/Modulos/Institucionais/Institucional.asp?Institucional_ID=1 - 16k


**Significado: (árabe) Querida rara preciosa. Vigilante Nome usado tanto para homens quanto para mulheres).