Apnésia

APNÉSIA Berenice Heringer

*Falta de ar com desmemória.

O Brechó do Abadia fez o maior sucesso. Levou o pessoal ao delírio. Na fila de receptadores de bugigangas, uma fulana entrou em 1º lugar. Uma promoter supôs que ela estava grávida e era rebate falso. Ela se valeu do infalível jeitinho brasileiro para levar vantagem. A dita cuja, com seu corpitcho de mortadela ou provolone adquiriu um variado sortimento. Até um robô com cara de brinquedo assassino para o filhinho brincar.

Centenas de pares de óculos, pantufas, scarpins, relógios, a coleção completa de hello kitty. Tia carol não pôde ir por estar impedida, sem direito ao ir-e-vir. Deve ter ficado inconsolável.

A compulsão de coletar e colecionar revela uma patologia de caráter mais obsessivo do que o fato de ser um traficante. Na certa é um TOC de classe de finórios especialistas. Não há limite. A próxima peça é aquela indispensável, rara, perseguível. Coleção é o segundo conjunto infinito depois dos números. Assim como dinheiro, o vil metal ou reles papel, para as mentes cobiçosas. Mas dinheiro é um meio, não é fim em sim mesmo. É neutro, não tem conotação moral, não é bom nem ruim, só tem valor de troca. Entretanto, as notas falsas, ou verdadeiras, podem reproduzir-se na máquinas impressoras/estampadoras como colônias de estafilococus. A ambição não tem medida. Nem a ganância. Não estou aqui dando lição de moral. Todo moralista é falso. Goëthe afirmou que todo modesto é velhaco. E eu digo: os mafiososs são muito sentimentais.

Numa obra de um brilhante médico juiz- forano (não é Pedro Nava), vou arriscar um palpite, que pode ser feliz, acho que o nome dele é Antônio S. Mello, bem lusitano, ele escreve coisas curiosíssimas. Que não são santas, naturalmente. Alguns vão ficar frustrados. Com a revivescência dos beatos e santos nacionais, cada qual está fazendo seu próprio milagre. Mas o livro ficou numa das estantes lotadas que deixei na casa do meu filho mais velho em BH. E o doutor, que fez doutorado na Alemanha, analisa o caráter do brasileiro e o compara com a formiga.

Aquele que coleta tudo e leva para casa, mesmo os trastes sem serventia, sucatas, badulaques, o que chamo de inutensílios é uma formiga diligente e bem treinada. Por isso, além de desorganizados e desperdiçadores, somos os campeões no coletamento e reciclamação.

As formigas carreiam e amontoam tudo no buraco: montanhas de folhas, gravetos, resíduos, que vão criando bolor e minhocas no ninho dessas carregadoras compulsivas. Elas não comem nada daquilo. Mas não param de juntar. Cabeça grande para dar cabeçada a torto e a direito, mandíbulas trituradoras, ferrões afiados.

Qualquer badulaque disponível o brasileiro carreia para casa. De graça, até injeção na testa.

A ambição sem propósito embota a capacidade de escolha e seleção. Sem chance de descarte. A combinação mais letal é falta de limite com avareza.

O JCR Abadia, com seu pomposo nome de erói sine nobilitate, mais pretencioso do que el CID, fez de suas mansões/mosteiros um depósito de penduricalhos e inutilidades. Ele é um cara de muitas caras, fetichista, exibicionista, coletador/colecionador ferrenho.

A publicidade é uma prática vilipendiadora no mundo global. Escancara as portas das iniqüidades e mostra as variadas personas e performances da prática do mal contra o mal.

A formicida é um veneno letal. Deve voltar a ser usada nos formigueiros. Também nos cupinzeiros, ninhos de traças e piolhos. E os monturões de lixo marginal, implodidos.

Vila Velha, 15 de abril de 2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 15/04/2008
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