Romaria e Pau-de-Arara (Memória caipira)

Final da década de 1950. O trecho da BR 369 que corta o municipio da cidade de Uraí no norte do Paraná e que liga o Paraná ao estado de São Paulo acabara de ser concluído.

Éramos crianças e ficávamos durante algum tempo em cima dos barrancos que margeiam e rodovia assistindo veículos passarem.Era uma das nossas diversões.

A maioria dos veículos que transitavam por alí era de caminhões.Caminhões-tanque carregados de combustível, caminhões transportando madeiras em direção a estados da região sudeste.Caminhões transportando galinhas e porcos.

O que mais nos atraiam a atenção eram os caminhões transportando gente.

Havia os caminhões carregados de gente que ia prá voltar.Era o caso dos caminhões com romeiros que seguiam em direção ao Santuário de

Aparecida, levando gente prá pagar suas promessas, agradecer por alguma graça, ou simplesmente ir por ir. Quase sempre, na viagem de ida, percebiamos os romeiros entoando animadamente cânticos louvando à Santa. Na volta,talvez devido ao cansaço, não cantavam.

Havia também os caminhões carregados de pessoas que vinham prá não voltar.Eram caminhões carregados com gente do nordeste, dos mais variados estados daquela região.Essa gente vinha trazendo poucos pertences, certamente muita saudade.Vinham prá se juntar a paulistas, mineiros, gaúchos e aos imigrantes de várias partes do mundo. Aqui no Paraná se fixaram. Plantaram sonhos, semearam esperança. Com suor e lágrimas regaram a terra prá obter sustento.

Tanto os caminhões que transportavam romeiros, quanto os que traziam os nordestinos eram cobertos com lona.Diferenciávamos um do outro pela faixa que os romeiros colocavam em seus caminhões com a inscrição indicando o destino e a origem.Era possível distinguir também pelo maior número de crianças que vinha em cima dos caminhões oriundos do nordeste.O meio de transporte utilizado pelos nordestinos era conhecido por pau-de-arara; um pejorativo, assim como é a palavra caipira.

Sentíamos uma ponta de inveja daquelas crianças, tanto das que seguiam em romaria quanto das que vinham nos paus-de-arara.Imaginávamos que devia ser muito bom ficar horam em cima de uma caminhão abrigados por uma lona, sentir a paisagem mudar a cada instante, a descoberta de um novo destino...Nunca tive essa experiência, nem mesmo quando a colônia japonesa do local fez uma excursão à Foz do Iguaçu e às Sete Quedas utilizando a mesma forma de transporte.

Certa vez enquanto assistíamos veiculos passando, um Jeep, lotado com meninos e meninas que ao passar gritaram:

-Ai.seus caipiras! Seus jacús! Nunca viram carro! E riram prá valer.

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Hoje já não encontramos mais caipiras aqui no norte do Paraná.Fico feliz em ter convivido com eles. De ter sido um deles.Aprendí muita coisa.O caipira não é um ser dotado de falta de inteligência, muito pelo contrário. É feliz com coisas simples.

Às vezes ainda dá uma vontade danada de ficar alí, às margens da BR 369, ¨assistindo¨ carros passando.Não fico porque sei que nunca mais verei caminhões cobertos de lona, carregados de gente.