ANTAS, PAPAGAIOS E PERIQUITOS
Como sempre acontece após as viagens às margens do Araguaia, sempre sobra algum pensamento que fica solto e precisa ser ordenado de forma que possa relatar fatos e acontecimentos vivenciados no local.
Como de costume, após arrumar os objetos que levamos e depois de desfazermos nossas malas, resolvi passear e ver em que estado se encontrava as mudas que plantamos durante a última viagem que fizemos ao local.
O milho que antes começava soltar seus pendões, agora já se achava completo e demonstrava certa consistência que o torna ideal para fazer pamonhas e alguns até o delicioso curau.
As abóboras que havia em grande quantidade se encontravam em estado de abandono e muitas estavam perdidas em consequencia do excesso de chuva ou pelas mordidas dos animais que ali vivem soltos e livres alimentando-se de forma farta.
Andando perto dos leirões vejo as sementes do que fora uma abóbora madura, agora já em adiantado estado de apodrecimento em razão das dentadas produzidas por animais que vivem na grande área de mata ainda preservada.
As antas fizeram das morangas cor de laranja o prato preferido, sem, no entanto, dispensar as outras abóboras.
Enquanto andava, observava o estrago feito pelos animais, mas, que em momento algum, me causou desgosto. O alarido ao longe indicava a presença de papagaios comendo o milho verde, que já se encontra pronto para ser colhido.
À medida que sigo em frente, os sons aumentam enquanto alguns se assustam com minha presença e procuram abrigo nas copas das árvores.
Ao observar a quantidade, fico até imaginando quantas centenas seriam eles. Porém, à medida que avanço, o que parecia ser apenas alguns papagaios, passa a ser início de um pesadelo para qualquer lavrador que vive do milho produzido. Milho que nunca será colhido.
Mais de setenta por cento do milho já foi destruído, comido ou mexido, sem ser consumido pelos “ladrões da floresta”.
Enquanto ia seguindo, pensei que minha presença pudesse assustá-los. Porém como estão eles ficam, nem os gritos e agitos de braços ou mesmo as pedras lançadas os assusta.
A proteção legal que foi dada aos animais impede que a insanidade humana os reprima de forma mais violenta.
Os caçadores já não procuram pilhar e matar pequenos pássaros e estes fizeram do milho seu prato preferido. Diferentes são os homens que, tendo consciência, matam, pilham, roubam e vivem da rapina.
Olho os papagaios, observo o milho triturado, as abóboras mordidas, pisoteadas e lembro-me da grande quantidade de animais que antes eram mortos por mero prazer.
Parece que a consciência ecológica, palavra tão em moda, passa a ser vivenciada pela maioria, com exceção de alguns que ainda se portam como animais ferozes predando tudo e a todos, inclusive os próprios homens.
Enquanto ando, vou pisando um solo solto e macio e sinto-me como se estivesse invadindo um solo sagrado que nunca deveria ser pisado.
Enquanto meu pensamento se ausenta do que vejo, imagino os outros seres que vivem naquele lugar que eu não consigo enxergar.
Vendo o estado do milho e ouvindo o reboliço das aves, imagino o futuro do arroz, que já solta seus cachos, perante a gula dos periquitos que já estão a postos esperando a vez de banquetear-se no arroz que começa a encher os cachos.
O alarido dos periquitos e das maracanãs anuncia mais um tormento para o lavrador que terá de se transformar em espantalho e ficar no meio da roça sob pena de nada colher.
A lei protege os animais e os homens apenas se protegem diante da fragilidade de um sistema que cria as suas aberrações. Eles se tornaram vítimas de si mesmos. A liberdade passou a ser encarcerada por traz de grades, como as aves presas em recente passado.
O meu pensamento tenta analisar as diversas formas de se ver uma só vertente da verdade.
Meu passo segue cuidadoso, procuro evitar os locais impróprios para serem pisados, enquanto observo os rastros de antas, veados, porcos-do- mato e outros animais.
Um pouco mais distante, um lago se encontra repleto de peixes de diversas espécies. Peixes que serão pescados por mim ou outro que possa vir ali pescar.
À tarde, usamos fogos de artifício para espantar as aves que ficam no meio do milharal, comendo ou estragando quase toda a plantação. O barulho dos fogos apenas assusta e não mata.
Quando se assustam, levantam vôo e procuram outro lugar para fazer suas refeições que sempre acontecem de manhã ainda cedo. A tarde, eles voltam para o jantar, o que, de certa forma facilita a vida do peão que não tem que ficar todo o dia vigiando a roça contra a gula das aves.
Espero que continue assim, ainda é necessário plantar para repor as florestas derrubadas. Quando as derrubamos, nunca nos preocuparmos com os animais nem onde irão tirar sua alimentação em decorrência da enorme devastação.
As antas, papagaios, periquitos e outros bichos irão, nos próximos anos, se fartar diante da profusão de alimentos que estão sendo plantados, além das frutas que, em breve, estarão maduras esperando para serem comidas por todos aqueles que quiserem ter apenas o trabalho de se colocar embaixo das fruteiras.
Por enquanto, iremos remediando e esperando, como homens que somos, compartilhar com os animais do que restar das plantações e das frutas que irão ficar maduras e encher nossa boca, mesmo que seja apenas em nossa imaginação.
A nossa convivência com os seres que habitam as matas e florestas deve ser harmônica para que possamos, novamente, aprender a respeitar o nosso semelhante, olhando-os como a nós mesmos.
29/03/03-VEM