De bruxas e lulas
Quem nunca vestiu roupa branca e pulou sete ondas na passagem de ano, comeu nhoque no dia 29 para ajuntar dinheiro, fez um pedido especial à estrela cadente ou apelou para São Longuinho para achar um objeto perdido? Pois é, desconheço alguém que escape : a superstição faz parte da condição humana.
O preconceito - raciocínio sem um argumento que o sustente - é base da superstição. Para ser criada e mantida, esta precisa se vincular a dois condicionantes: medo e transcendência, a crença de que existe algo incompreensível acima de nós, que dirige nosso futuro. Conforme o empenho e reforço, a superstição tanto pode oferecer conforto diante de incertezas como nos aprisionar em um mundo criado por nós mesmos.
A noção de acaso, estranha à mente humana, é a raiz do embate interminável razão/superstição. Frente a uma situação não compreendida racionalmente, a resposta supersticiosa reconforta, resgatando-nos da imprevisibilidade. Dizem que as mulheres, menos racionais do que os homens, são mais propensas a crendices. Mas é Emílio Santiago quem só usa roupas claras e cruz de ouro nas apresentações. Roberto Carlos é caso de estudo: não usa marrom, não canta o “negro gato”, só sai de algum lugar pela porta onde entrou. Há alguns anos o Rei ficou preso horas em um museu em Portugal, porque o vigia fechou a porta por onde ele havia entrado.
Crendices podem ser automáticas e impensadas, repetição do que nos foi ensinado, fazendo parte da identidade cultural. Quem já se perguntou por que se diz “saúde” sempre que alguém espirra? Outras são criadas a partir da observação: ser chefe da Casa Civil ou ministro da Fazenda do governo Lula, por exemplo, dá azar – que o digam José Dirceu, Dilma e Palocci ( Mercadante não sabe do que escapou!). A mais recente superstição em Brasília é que quem dá a Lula um presente cai no ostracismo – Popó, Guga e Lenny Kravitz teriam sido alguns dos desafortunados.
Há superstições criadas com um propósito específico: o mito de que chupar manga e tomar leite faz mal foi invenção dos fazendeiros do Brasil colonial para evitar que escravos bebessem o leite ordenhado. Ao passar as costas da camisa do marido, a esposa atrai outra mulher para disputar o seu amor: esta deve ter sido criação de uma dona de casa esperta. Cansada de passar roupa, resolveu a chateação sem discutir a relação. Quem iria mesmo disputar um homem de costas amarrotadas?
Sabedores de tudo isso, ainda vivemos todos em um mundo duplo e paralelo em que a racionalidade libertadora do medo convive pacificamente com a crendice que regulamenta a incerta existência. Por via das dúvidas, namorados evitam casar em agosto; casados arriscam o equilíbrio ecológico para defender lagartixas e aranhas – matá-las causa infelicidade no amor -; jovens casadoiras fazem malabarismos com a imagem de Santo Antônio... A justificativa é falaciosa: se não fizer bem, mal não faz.
Yo no creo en brujas, pero que las hay... las hay.
Não passo por baixo de um arco-íris nem se for obrigada: dizem que quem o faz, muda de sexo e perde um dedo da mão... Eu é que não quero discutir nova reeleição, nunca saber de nada ou manter a popularidade inabalada junto a um povo tão ... crédulo.
"Nunca antes na história deste país..." - faço o sinal da cruz e bato na madeira três vezes.