Eterna Interligação.
Em seu apartamento Raul abriu um wisk, ligou o rádio para tentar amenizar o som da chuva que caia lá fora, chuva essa que trazia dor, angústia e uma saudade doida da vida que ele levava há alguns anos.
Lembrou dos tropeções que levou no decorrer da sua história, era triste e estranho, mas há anos atrás ele tinha planos, e um roteiro de vida lindo que incluía uma esposa e um filho que ela carregava, se fosse menino Leandro, menina Anita, um enxoval lindo e uma casa projetada por ele mesmo, arquiteto formado em Campinas, lá mesmo onde entre um barzinho e um bilhar ele conheceu Heloísa.
Heloísa era estudante de farmácia, lindos olhos verdes e um corpo meio sedentário, mas que não deixava de ser escultural, tinha a fala mansa, e um ar intelectual que enlouquecia Raul, Helo como era chamada pelos amigos gostava de dança, literatura Brasileira, e vodca aos fins de semana, tinha um olhar triste de quem parecia já saber o que lhe esperava. Casou-se com Raul após seis meses de namoro, onde ambos foram surpreendidos por um resultado positivo de uma gestação não planejada, porém muito bem concebida, aquela gestação seria a eterna ligação que um teria com o outro, e era isso mesmo que eles queriam ser interligados eternamente, também pudera, eram loucos um pelo outro, viveram cada milésimo de segundo de forma intensa e doida, coisas que nenhum casal que já completou bodas de ouro conseguiu viver.
Em uma tarde chuvosa de quinta-feira Raul recebe em seu escritório um telefonema, onde do outro lado da linha uma vizinha sua lhe informava que um motorista alcoolizado avançava o sinal vermelho acertando em cheio sua Heloisa, e o mundo desabou nesse instante, não precisaria a vizinha dizer que Heloisa estava morta, não era necessário, no instante que o telefone tocou Raul já sentiu alguma coisa se dissolver dentro dele, viu a vida rodar como um filme na sua cabeça desligou o telefone, acendeu um cigarro e chorou, chorou durante horas, pensando nas duas vidas que tinham ido embora levando automaticamente a dele, que permanecia vivo por fora, mas morto por dentro.
Cinco anos já passaram, e Raul sempre pensa em como a vida poderia ser se uma pessoa não identificada até hoje não tivesse atravessado aquele farol e atropelado Helo, que estava justamente indo ao consultório médico descobrir se o enxoval que eles montavam com tanto carinho iria ser rosa, ou azul, uma lágrima escorreu do rosto de Raul, seguida por várias outras, enquanto olhava em volta aquele apartamento que ainda continha um quarto infantil nunca tocado e completamente montado, alguns porta retratos vazios que esperavam a foto de Leandro ou Anita, um cutucão no peito, o mesmo que sentiu há cinco anos atrás quando eu seu escritório o telefone tocou, e a certeza de que não importa como, ele estará sempre interligado a Heloisa, na expectativa de encontra-la e dizer:
“Meu amor, eu sempre esperei por você, por toda minha vida não vivida fisicamente ao seu lado, mais saiba que eu te senti durante todos esses anos, em cada canto daquele apartamento que será sempre nosso, em cada quarteirão daquela cidade que nunca mais foi a mesma sem você, em cada lágrima que escorria e eu sentia levemente que você me amparava, por Deus minha Helo, como sua falta dói...”
A chuva amenizava lá fora, um vento frio entrava pela janela, balançando as cortinas verdes escolhidas especialmente por Helo, parecia que ela tinha ouvido as preces de Raul, que lentamente foi adormecendo como se alguém estivesse passando a mão em seus cabelos cor de fogo, deu um suspiro cansado e sorriu, na certeza de que sua Helo estava ali, e pra sempre estará...