MIGALHAS SOB UM ARRANHACÉU
Tão cedo, e a vida que não pára já se agitava na cidade...e igualmente naquela esquina.
Uma pomba zonza de sono perambulava na calçada esburacada e logo às cinco da matina já rodeava a barraca recém montada, a procura de migalhas de pão.
O mestre ainda não havia chegado, e os trabalhadores da construção civil, daquele enorme arranhacéu que nunca lhes trouxera o céu, se amontoavam ao redor da tenda para, por um real, tomarem o pão nosso de cada dia, com um gole de cevada amarga.
Discutiam a tragédia do ontem, e a sorte das urnas DO AMANHÃ...nas próximas eleições.
Alguém tossia sufocado na fumaça branca do cigarro, misturada à negra dos escapamentos desregulados espalhados pelas ruas...
Mãos calejadas e rachadas, contavam moedas para pagar a saciedade da fome.
E a pobre pomba, ainda a zonzear pelo chão procurava desesperada pelo descuido dum desperdício que ali seria quase um milagre.
Ao soar da sirene subiram ao destino do trabalho que nunca lhes remunera os sonhos.
E a pomba, ao finalmente subir guarnecida duma migalha distraída, sumiu no infinito a arranhar o mesmo céu...despido de sol...