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CUMPRINDO CICLOS
O ser humano é essencialmente um ser social. Excepcionalmente sabe-se aqui e acolá de algum caso de pessoas que optam por levar uma vida isolada, como é o caso de monges e eremitas. Mas via de regra o convívio em grupos se torna necessário porque existem as necessidades de caráter material e emocional. Assim é que desde que nasce o indivíduo começa a desenvolver no meio familiar um comportamento pessoal e psíquico moldado na conduta de grupo onde cada qual tem seu perfil independente e no todo constitui uma filosofia se desenvolvendo visando desempenhar seu papel no ambiente social.
Já na infância nos primeiros anos a criança começa a entender o que é conviver em grupos, respeitando as diferenças e a personalidade de cada um. Mesmo na tenra idade inconscientemente passa a se portar como elemento de um todo. Assim já na adolescência direciona suas atividades procurando a formação profissional que lhe permita uma independência financeira e segura com a qual possa prover a sustentação de si e da família que por certo formará.
Os caminhos seguidos são diversos e invariavelmente ocupará boa parte da sua vida adulta na ocupação profissional. É um período onde a busca por elementos financeiros se torna frenética devido ao fato de se viver em uma sociedade consumista onde a aquisição de bens requer uma considerável reserva econômica com a qual se possa custear os sonhos de consumo.
Neste meio tempo, à medida que se desenvolve a carreira profissional, concomitantemente forma-se a família e conseqüentemente nascem os filhos. Enquanto o tempo vai passando e a carreira se solidificando, os filhos vão crescendo. Devido ao tempo dedicado ao trabalho não percebemos que deixamos de realizar coisas simples do dia a dia que futuramente nos virão a memória como falhas cometidas que o tempo talvez não mais nos permitirá realizar. Coisas simples como empinar pipas, andar de bicicleta, jogar bola, perambular na chuva ou assistir desenhos na tv com os filhos. Quando percebemos estamos com a carreira profissional realizada e prestes a deixar o trabalho para enfim poder aproveitar a vida.
Mas e os filhos? Eles cresceram e agora rapazes e moças feitos nos tratam como amigos e levam vida própria. Agora temos tempo e gostaríamos tanto de nos dedicar a eles mais agora são eles que não têm tempo para nós.
Enfim chega a data tão esperada: o último dia de trabalho! Mas se por um lado é motivo de júbilo e regozijo pela realização profissional efetivada, por outro lado somos vitimas de uma estranha sensação de insegurança pelo fato de estarmos nos afastando do convívio de outro grupo social: o de amigos e colegas de trabalho com os quais convivemos por tantos anos na realização de tarefas que nos foram confiadas e que logramos o êxito graças ao esforço de todos com um objetivo único.
Chegado o dia, resta-nos aquele olhar distante para os lugares que freqüentamos, a olhada diferenciada para cada colega com quem trabalhamos e nem percebemos as peculiaridades de cada um. A nossa farda que utilizamos por longos anos e agora guardaremos como lembrança do que fomos um dia quando na ativa. Sentimos um misto de alívio e angústia porque estamos deixando uma vida habitual na qual percorremos longos caminhos e agora chegado ao destino só nos resta descansar e desfrutar dos êxitos alcançados. Os amigos, alguns permanecerão próximos, outros ficarão apenas na lembrança e na saudade. Restará para nós iniciarmos a fase da vida que nos permitirá tentar dedicar a família aquele tempo que não nos foi possibilitado por causa do trabalho. Estaremos com cabelos grisalhos e com todo tempo do mundo para realizar aquelas coisas simples como empinar pipas, andar de bicicleta, jogar bola, perambular na chuva ou assistir desenhos na tv, mas não com os filhos, pois como falei anteriormente, eles estão muito ocupados para nós. Agora teremos a oportunidade de voltarmos a ser crianças outra vez e sermos felizes nos dedicando aos netos.
Obs: Esta crônica é dedicada a amiga JOSEANE que está sendo transferida com méritos para a reserva remunerada da Marinha. JOSEANE é esposa de um grande amigo e companheiro também militar da Marinha, já na reserva remunerada como eu. Minha homenagem e a minha eterna amizade para ambos.
* Esta crônica está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibida a cópia ou a reprodução sem a minha autorização.