Um chá maluco
De Edson Gonçalves Ferreira
Para Beto e Sônia Ortega Wada
Ontem, quando uma revoada de pássaros passou sobre minha casa, do meio deles, surgiu uma cegonha que, lá do alto, daquele tapete alado, gritou: _ Acabei de vir do Japão, seus amigos estão grávidos mesmo. Você vai ser titio! E, então, levei um susto danado, porque alguém cutucou nas minhas costas. Olhei e era o Peter Pan com a Fada Sininho sorrindo. _ Que coisa! Vocês chegam de repente... Hoje é sábado, quero um pouco de paz. Peter Pan cruzou os braços, fechou a cara e a Fada Sininho pousou em cima de minha luminária de murano.
Ressabiado, porque eu tinha sido um pouco infeliz, ia pedir desculpas, quando ouvi um barulhão e o Coelho Maluco saiu de dentro do meu escritório. Perguntei: _ Que negócio é esse. Agora, vocês chegam e tomam conta da casa. _ Estou com pressa, estou com pressa, já são quase meia-noite... Preciso ir, preciso ir... – respondeu o Coelho. _ Ir para onde, criatura? _ Vou tomar chá com o Chapelão e com Leirão, comemorando a gravidez da Sônia Ortega. _ Mas eu é que fui convidado para padrinho – respondi. Escutei, então, uma risada engraçada e, quando olhei, o gato Cheschire estava em cima do sofá da sala, rindo de mim.
Fiquei sem jeito. Lembrei-me da tranqüilidade da Celina Figueiredo, da classe da Zélia Nicolodi e até pensei em ligar para elas. Quem sabe elas me ajudariam nessa situação. Sábado, eu querendo tranqüilidade e esse povo todo atazanando a minha vida. De repente, a Emília entrou gritando: __Poeta, pára de pensar alto. Ouvi tudo. Ele está reclamando da nossa presença, gente! _ Cortem a cabeça dele, cortem a cabeça dele – ouvi – era a Rainha de Copas enfurecida. Peter Pan resmungou: __ Ele acaba de ser convidado para ser padrinho do menino do Beto e da Sônia, lá no Japão, e está intragável!
Foi então que a Lebre de Março disse: _ Eu sabia, eu sabia, eu sabia! _ Sabia o quê? – retruquei. _ Que a Soninha ia ser mamãe de novo. _ Sabia nada! Você não tem bola de cristal! _ Nós moramos no País das Maravilhas, não é? _ Eu também – respondi – o Brasil é um país maravilhoso também. Não tem vulcões, não ciclones, não tem terremotos, não tem... Uma risada reboou na sala. Era o Gato Cheschire. _ De que você está rindo e vocês também? – perguntei. A Emília levantou-se do tapete onde estava sentada e apontou o dedo para mim e disse: _ Pergunte para a Claraluna, sobre os ciclones, os terremotos que assolam o país, vindos todos de Brasília! Engoli seco, sequinho mesmo.
_ A minha rosa é importante, porque é a minha rosa... Olhei e vi o Pequeno Príncipe encostado na porta da cozinha. Estava lindo. Trazia na mão um lírio. Não resisti e perguntei: _ Para quê este lírio, menino? _ Ora, vou levar pra Sônia por causa do anúncio de uma nova criança e a Sunny vai comigo! Ouvi uma gargalhada sonora e, na mesma hora, percebi que ela vinha do Peter Pan. _ Tá rindo de quê, seu garoto de duzentos anos? _ Não fique bravo. Estou rindo é da confusão que você e a Sônia aprontaram. _ Como? – respondi - _ Que confusão?
Com aquela doçura toda, o Pequeno Príncipe me respondeu: _ Ela lhe chamou para padrinho e, agora, o Henricabílio, o Teris, o Bernard estão morrendo de ciúme! _ Estão nada, eles ficaram felizes, porque, espiritualmente, essa criança terá muitos padrinhos e muitas madrinhas. _ Eu nunca fui batizada! – resmungou a Emília. _ Ué – respondi – boneca de pano não é gente! Na mesma hora, levei um pontapé. Olhei e era o Pinóquio que havia chegado sem que eu visse. _ Vai chutar seu pai Gepeto, cara de pau! _ Cuidado – retrucou a rainha – Mando cortar sua cabeça agora! _ Sabem de uma coisa, estou cheio. Porque vocês não vão embora? _ Agora que o chá ficou pronto – retrucou a Chapeleiro. Venham todos aqui para a varanda. Vamos comemorar o anúncio do bebê da Sônia.
Foi, então, que eu entendi que todos saíram dos livros para, com propriedade, saudar um novo leitor. Aí, entendi quando dizem que, às vezes, nem todo autor é onisciente e onipresente. Quando falam que, às vezes, o personagem foge do controle do autor.
Olhei de lado e vi que o gato Cheschire está sorrindo feliz enquanto a Fada Sininho revoada em volta da minha cabeça dizendo: _ O povo do Recanto vai ficar com inveja de você. Eles nunca tomarão chá conosco, nunca, nunca, nunquinha!
Divinópolis, 13.04.08