A GOMA DE MASCAR

(para José Moreira da Silva, poeta, em Porto Alegre)

Os céus de Deus começam pela simplicidade, pela palavra sobre a qual não se necessita pensar. Nada de interpretações que exijam reflexão. Não é porque o Criador seja burro, ou capaz de asneiras, mas porque esta iguala todo mundo. Dizem que é isto que quase todo o leitor deseja do vocábulo dito, lido ou recitado...

É a amorosa linguagem que acaba fazendo com que se deseje viver só pra ouvir o bilhetinho de amor no qual o eventual recado ornado de poesia diz e aconselha, com o recato e o poder do sonho: ter o mesmo doce gosto de uma goma de mascar antes de perder o açúcar.

Imagino que nunca chegarei a estes céus sem nuvens, olorosos de flores e próprios para a sacralização dos atos do viver.

Falta-me doçura mesmo que o mau funcionamento do pâncreas me tenha presenteado com o diabetes e me faça estar sempre com as taxas de glicemia lá nas alturas. Docinho, sempre docinho...

Mesmo sem saberem destes detalhes os críticos de minha posição (e laudatórios do amar coroado em tudo a toda hora) torcem o bigode quando resolvo pegar forte na análise literária sobre textos em poesia.

Adoçar a vida pode ser solução pra quem vê o mundo com insegurança e amargura.

Quem nos garante a hipótese de que o céu de Deus irá nos acompanhar depois da morte? E terá o etéreo (eterno?) a convivência que temos nesta gaiola com os terráqueos?

Ao menos neste plano temos o facho da Esperança, que é uma gorda matrona pejada de filhos e netos. E como todo o gordo é condescendente e sorri à toa...

O Futuro? Este tem o condão de saudar a Felicidade. Bem, mas a tal dona precisa de incontáveis páginas, porque esta bichinha arisca é o céu de toda a criatura, nesta plenitude usual de esperanças e desejos insatisfeitos.

Mesmo que a goma de mascar produza cáries nos pobres dentes e estes doam, por vezes, a ponto de não se poder dormir ou até falar.

É esta dorzinha fininha que faz diferente o dia de quem ainda não chegou aos nichos da outra margem.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/942043