Os Filicidas

Berenice Heringer

"Onde o perigo e a vantagem são iguais, a surpresa cessa e a própria piedade se enfraquece." (Voltaire - 1694/1778)

A comoção nos abala a todos, como uma tsunami que vem vindo, vindo e bum!

A meninazinha foi pendurada pelas perninhas como uma boneca de pano. Mas estava VIVA!

Há marcas de suas mãozinhas no paredão de vinte metros de altura. O pulso esquerdo fraturado. Faixas de protesto mais numerosas do que as gazes dos curativos inúteis. A mãe não fala. Ou diz banalidades. Refugia-se na terra do sempre e olvida o nunca mais...

A grafóloga analisa a grafitagem, as garatujas e a garotagem das cartinhas manuscritas. Hello kitty, balões, coraçõezinhos, corbelhas de florezinhas. E baboseiras falaciosas.

Os americanos são mesmo imbatíveis. No mais terrível filme de terror deles, juntam-se os festões natalinos aos indestrutíveis monstros gremlins.

As mais monstruosas mentiras são rosa e azul.

Aposto que algum desavisado, ao ver o título supra, vai pensar que estou falando em filisteus, felicitá ou feliz/cidade. Na certa, de farisaísmo, sim. Também de fanazismo...

Peço que alguns se situem e outros se perfilem no paredão. Ah! Se os culpados são fuzilados ao amanhecer, os engam-bela-dores se safam, saem ilesos e compram novas viaturas. Os sáfaros ficam incólumes. Veja bem; sáfaro é penhasco. As criaturas inocentes não sabem se desvencilhar das armadilhas armadas. E caem vertiginosamente...

Alí (ou aqui) a meninazinha era só um molusco entre a vaga incessante (de fúria) e o rochedo/paredão de pastilhas do prédio novo em folha.

Mas tia Carol é muito bem intencionada. Brinca com as criancinhas, cantorola musiquinhas de roda e faz comidinhas. Será ela uma Medeia ciumenta e enfurecida?

A tirania, o ciúme, a possessividade mascaram-se em passividade até ao surto final. Tudo que seu mestre mandar, fazeremos todos!

Hoje os adolescentes estão caindo rápido na máquina de fazer salsichas: azaração, ficação (ou será ficamento? Também pode ser fixação e fincamento de estacas), intercurso, mesmo sem freqüentar aulas e antes do lº grau fundamental, já todos estão atolados no fundamentalismo da liberdade total, sem nenhuma independência, vão às últimas conseqüências, adquirem filhos, dívidas, doenças. Muita megalomania e onipotência.

Hoje se vai com muita sede ao pote. Ou melhor, a máquina desova o refri instantaneamente. Até o preservativo ou a pílula-do-dia-seguinte (proibidos pela Igreja). Muitos não se previnem.

Nós (os patinhos feios dos anos dourados) tínhamos de procurar uma mina d'água, cavar um poço, arranjar uma folha de taioba para servir de cuia. Além de cautelosos, éramos medrosos, aquele refreamento sadio dos impulsos que nos leva a voltar a marcha da 5ª para a 1ª e pisar no freio. Isto é só uma metáfora. Ainda mais para mim, que não guio carro. Contar até mil preserva a incolumidade, própria, e de terceiros ou quartos. Agora (e sempre) os colos são úmidos, escorregadios, receptivos. Há sempre uma bala na agulha, e os velocistas vencem qualquer obstáculo. Quando o tiro sai pela culatra é porque a cautela foi pro brejo...

Graças à permissividade desenfreada e ao consentimento tácito, outorgados pela psicologia e pela propaganda, é que inauguramos essa era de ouropel, com seu brilho falso.

Não é ouro nem EURO. Mas pode ser uma neurose ou paranóia coletiva. VV, 04/04/08

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 11/04/2008
Código do texto: T940794