Passarim plebeu
... os homens são os seres que
perderam a confiança dos
pássaros.
Rubem Alves
1. Ele chegou, devagarinho, nas primeiras horas desta manhã. Pousou na minha janela. Abriu o bico, e se danou a cantarolar. Preocupado em encontrar uma palavra pra fechar um texto, lhe não dei a menor atenção.Passarim moleque, prosseguiu cantando.
2. De repente, invadiu o meu gabinete. E, suavemente, desceu sobre minha estante. Com o bico buliçoso, saiu cutucando os livros de Drummond. Parecia conhecer o poeta.
3. Malandro, olhou pra mim, e soltou um gorjeio demorado e zombeteiro! Incomodado, tentei agarrá-lo com mãos de caçador. Queria-o, naquele instante, calado. Ele deu dois pulinhos, e, com a rapidez de uma cadente, bateu asas, e voou...
4. Descubro-o, agora, no pára-raios do prédio vizinho ao meu. Solta gorjeios de liberdade definitiva. Mas não tira o os olhos de minha janela; e nem de mim. É a impressão que tenho, vendo-o à distância.
5. Assobiando, suplico-lhe que retorne ao meu gabinete. Ou pelo menos à minha janela, que permanece escancarada. Ele não dá bolas.
6. Cadê ele? Desapareceu!
E aqui fico morrendo de remorso...
Desprezei o passarim que, no início desta manhã de lindo sol em Salvador, me visitou. Isto não se faz. Fui indelicado.
7. - "Oh! Se eu fosse um sabiá, um curió, ou um canarinho belga ele teria me acolhido com ternura imensa. Mas sou, apenas, um passarim plebeu... Tem nada não: vou perdoá-lo. Um bem-te-vi não guarda rancores. Qualquer dia desses, voltarei à sua janela..."
Tudo isso ele deve ter "dito" antes de sumir no céu da Pituba, nesta esplendorosa manhã de outono...
... os homens são os seres que
perderam a confiança dos
pássaros.
Rubem Alves
1. Ele chegou, devagarinho, nas primeiras horas desta manhã. Pousou na minha janela. Abriu o bico, e se danou a cantarolar. Preocupado em encontrar uma palavra pra fechar um texto, lhe não dei a menor atenção.Passarim moleque, prosseguiu cantando.
2. De repente, invadiu o meu gabinete. E, suavemente, desceu sobre minha estante. Com o bico buliçoso, saiu cutucando os livros de Drummond. Parecia conhecer o poeta.
3. Malandro, olhou pra mim, e soltou um gorjeio demorado e zombeteiro! Incomodado, tentei agarrá-lo com mãos de caçador. Queria-o, naquele instante, calado. Ele deu dois pulinhos, e, com a rapidez de uma cadente, bateu asas, e voou...
4. Descubro-o, agora, no pára-raios do prédio vizinho ao meu. Solta gorjeios de liberdade definitiva. Mas não tira o os olhos de minha janela; e nem de mim. É a impressão que tenho, vendo-o à distância.
5. Assobiando, suplico-lhe que retorne ao meu gabinete. Ou pelo menos à minha janela, que permanece escancarada. Ele não dá bolas.
6. Cadê ele? Desapareceu!
E aqui fico morrendo de remorso...
Desprezei o passarim que, no início desta manhã de lindo sol em Salvador, me visitou. Isto não se faz. Fui indelicado.
7. - "Oh! Se eu fosse um sabiá, um curió, ou um canarinho belga ele teria me acolhido com ternura imensa. Mas sou, apenas, um passarim plebeu... Tem nada não: vou perdoá-lo. Um bem-te-vi não guarda rancores. Qualquer dia desses, voltarei à sua janela..."
Tudo isso ele deve ter "dito" antes de sumir no céu da Pituba, nesta esplendorosa manhã de outono...