FELIZ NATAL

- La nuestra primera mision ...

Eu sempre me perguntava como um governante conseguia fazer discursos de 4 a 5 horas e ainda assim reter o público. Agora estava assistindo, ao vivo, o presidente “eleito” da Venezuela num discurso que já durava mais de duas horas.

Chavez estava sentado num grande auditório, atrás de uma mesa de professor, gesticulando e falando. Tinha vezes em que apoiava o cotovelo sobre a mesa. Outras em que apontava o dedo a um ponto indistinto. E falava, e falava. A platéia era formada de aposentados e deficientes físicos que recebiam cadeiras de rodas e outros mimos do Papai Noel Chavez.

- La nuestra primera mision... Bueno: Nuestra primera mision és Cristo.

Estávamos num hotel em Puerto La Cruz e era noite de Natal. Como todos os hotéis de médio porte na Venezuela, aquele também não tinha restaurante. Nem café da manhã. Contudo, tinha ar condicionado central, TV a cabo em todos os apartamentos. Servilmente todos os canais locais transmitiam a fala de El presidiente.

Este usava o evangelho para destilar seu ódio contra os americanos. Comparações que só o “pastor” Chavez se arriscaria a fazer. O povo Venezuelano, cristão desde que os espanhóis ali aportaram, podia contestar Chavez veladamente, mas jamais contestaria a bíblia.

- Aquelles que han cruzificado Nuestro Señor, son los mismos que hoy escravisan El pueblo venezolano.

Minha esposa, depois de ajeitar rapidamente as malas, estava deitada ouvindo a fala daquele que pretende ser o líder do território centro e sul americano. Convidei-a a sair para jantar em algum lugar. Embora concordássemos que não seria uma ceia de natal, mas precisaríamos comer alguma coisa. Depois do dia todo na estrada, ela preferia ficar no quarto.

Depois de passar pela portaria e me informar onde poderia achar algo para comer que pudesse ser trazido ao hotel, fui informado que havia um cassino à frente que tinha restaurante. A localização do hotel era bem central. Na área chamada Paseo Colón, podia ouvir-se o mar do Caribe quebrando na praia e, em outras noites havia muito movimento de restaurantes e licorerias. Deixei o carro no estacionamento do hotel e fui a pé até o cassino. Ainda não eram 10 horas e o movimento era muito pequeno.

Não havia restaurante, mas um balcão de bar onde alguns freqüentadores bebiam em silêncio. Sentei-me num lugar vago e perguntei por algo para comer. A moça mal humorada me ofereceu um cardápio. Enquanto esperava aprontarem os sanduíches, pedi um chope. Uma mulher, em torno de 40 anos, aproximou-se e indicando a cadeira ao meu lado pediu:

- Permisio?

- Seguro, como no?

Falando baixinho ela perguntou:

- Are you american?

Só acenei negativamente com a cabeça para não dar muita intimidade e fingi me concentrar no chope. Percebi o rápido embaraço dela, mas não me preocupei. Não sei se o embaraço vinha do meu descaso ou porque ela fizera a pergunta em inglês, língua mal vista na Venezuela de Chavez. Por não conseguir classificar-me por nação, ela continuou em espanhol:

- É a primeira vez que vem ao cassino?

Novamente acenei com a cabeça, concordando. Desta vez minha indiferença não a constrangeu e ela continuou:

- Aqui tem salas de jogos, de bingo e tem um piano bar onde se pode dançar, bebericar...

- Y otras cozitas más – completei eu, muito sério, falando pela primeira vez com ela.

Com isso liberei a verborragia que parecia muito natural nela. Em menos de um minuto se ofereceu para me mostrar o cassino, a cidade e não sei o que mais. Expliquei em poucas palavras que não estava sozinho, que estava de passagem e só esperava o lanche para voltar ao hotel. Ofereceu-se para me acompanhar ao hotel. Menti que minha esposa me aguardava no carro em frente. Ela apenas fez um “ah” mas não diminuiu a verborragia. Fiquei sabendo que o cassino tivera áureos tempos antes de se complicar a vida dos turistas americanos no país, que os “venezolanos” eram muito rudes etc.

Fiquei feliz quando veio o meu pedido. Mandei incluir também uma bebida para a gentil senhora, que parecia ter sido vacinada com agulha de toca-discos, antes que ela quisesse acompanhar-me até a saída do cassino e descobrir que não havia esposa nenhuma na porta a me esperar.

Voltei ao quarto de hotel. Chavez continuava a falar. Quando estávamos comendo, minha esposa comentou:

- Eu estava pensando e analisando o que o Chavez disse...

- Pelo amor de Deus não analise o que ele diz. Tudo que ele quer é ser ouvido e convencer as pessoas.

Rimos um bocado enquanto degustávamos nossa "Ceia" de Natal ao som do discurso do Chavez.

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 11/04/2008
Reeditado em 12/04/2008
Código do texto: T940670
Classificação de conteúdo: seguro