Quem está na chuva deve saber que vai se molhar.
Tem dias em que fico assim, com vontade de escrever mas sem assunto, Não é bem sem assunto, porque assuntos eu até tenho muitos, já que a vida é prolixa.O fato é que as vezes fico com muitas idéias na cabeça mas sem encontrar o jeito de misturar as palavras para que reproduzam realmente aquilo que quero dizer. O que já é uma rematada tolice porque a gente diz uma coisa e entendem outra e no fim fica difícil determinar se dissemos errado ou ouviram torto porque cada qual tem direito ao seu entendimento. Estive conversando sobre este assunto hoje a tarde com minha amiga Francisquini, cronista aqui do Recanto e cronista também de dois jornais de nossa cidade. Segunda -feira, quando cheguei para trabalhar as funcionárias do departamento estavam alteradas:veja o que sua amiga escreveu aqui no jornal, diziam elas. Li e de cara me deu vontade de fazer uma crônica a respeito. Na crônica, Todas as mulheres?também publicada aqui, o mote central era o perigo da generalização sobre qualquer assunto e a escriba deu como exemplo o fato de formadores de opinião usarem a expressão todas as mulheres para se referirem a nós. Como o quesito em questão era a vaidade a autora usou sua própria experiência para garantir que nem todas as mulheres gostam de, por exemplo, pintar o cabelo, os lábios e as unhas.Ela deu um exemplo. Os leitores, interpretaram como uma crítica a vaidade ou um elogio a não vaidade.Muitos deles se abespinharam, outros aprovaram, emitindo suas opiniões por e-mail.Eu havia lido a crônica no jornal e aqui, e deixei-lhe um recadinho, então ela veio conversar comigo no final do expediente. Foi um papo agradabilíssimo que se iniciou no saguaõ da Casa da Cultura e se encerrou no Pátio interno, já com todas as outras funcionárias,terminado o expediente e prontas para partirmos para o terceiro turno do dia. E embora os assuntos tivessem sido vários, como por exemplo, receitas para se juntar dinheiro ou como obrigar os super-mercados a nos devolverem o troco corretamente sem nos fazerem passar vergonha quando exigimos R$0,01 que está faltando, o que realmente ficou em minha mente, indo e vindo, foi exatamente esta resposta ao que escrevemos.
É incrível como as pessoas interpretam o que o outro diz. Há algum tempo atrás eu escrevi um comentário no blog de um poeta brasileiro residente em Portugal, um ótimo poeta mas muito amargo,Alvaro Alves de Faria. Eu havia lido todas as postagens dele que, a certa altura, disse não ter mais nada a dizer. Fazendo uma brincadeira eu escrevi: se não tem nada a dizer, escreva.O que eu queria dizer era simplesmente que ele escrevia muito bem, que não precisava ficar preocupado em explicar coisas. Pois não é que ele me respondeu e está lá no site da Revista Bravo um texto enorme me desancando tanto que se eu tivesse na rua teria perdido o rumo de casa. Levei um susto danado. Ele afirmou em maiúsculas e minúsculas que eu o mandei calar a boca, que fosse para o inferno ou outro lugar qualquer. Eu tenho certeza de que não fiz isso, afinal tinha achado a entrevista que ele fez com Jorge Luis Borges a melhor que eu já tinha lido sobre o assunto e só queria elogiar.Eu levei tanto susto que nem respondi de volta.
Aqui no Recanto percebo que isso também acontece muito.Alguns comentários que recebo comprovam o que falo. Eu leio o comentário e pergunto: Mas foi isso que escrevi? Certamente que não, mas foi isso que o leitor leu. Porque literatura é isso na minha concepção: a partir do momento que o texto se torna público ele deixa de ser propriedade do autor e passa a ser daquele que o leu.Esta é a grande riqueza de uma obra. Ser tão universal que atenda ao individual de uma forma completa.As razões e as emoções que o autor leva para uma obra, chegam a receptáculos individualizados: a razão e a emoção de cada um que lê. É baseada nessa compreensão que acho que os autores não têm nenhuma obrigação de explicar o que escreveram.O que você quis dizer com isso? são perguntas que não devem ser feitas a qualquer tipo de artista em relação a sua obra. Porque o importante não é o que se quis dizer mas o que foi compreendido do que foi dito.
Bem, de qualquer forma Francisquini vai escrever uma nova crônica, eu estou escrevendo esta e alguns vão comentar. Que afinal é o que queremos, não? Ser lidos.
Atingirmos o outro de uma forma ou de outra.Daí que é bom estarmos preparados para as reações. Afinal, quem está na chuva deve saber que vai se molhar.