Sobre a chuva

Eu tentei escrever, juro, eu tentei várias e várias vezes. Entregar em mãos, conselho acertado, ficar ali do lado enquanto ele lia. Era o plano perfeito. Estava tão esquematizada. Tentei algumas vezes, mas não consegui terminar. Apesar disso até que tinha em mente o que queria dizer... Beleza, tranquilo, repassei o discurso durante o banho, tanta coisa pra falar... Ficava repetindo mentalmente. Estava meio que claro na minha cabeça. Mas ele consegue fazer tudo desandar. Ele consegue. Ele é o toque do inesperado na minha vida. Primeiro que era pra chegar às 9, mas não vinha. Celular desligado. Mas que diabos... O motivo da visita já estava sonhando agora. Deixei recado na caixa postal, “vem amanhã mais cedo”, nada de resposta. Quando deu dez e meia desencanei. Coloquei o pijama, escovei os dentes, prendi o cabelo com uma caneta, coloquei os óculos e fiquei no computador. Eis que ele entra. A primeira coisa que pensei foi que tinha que pegar aquela chave de volta. Não fazia mais sentido ele ter chave de casa. Pra que? Pra me pegar assim de surpresa, de pijama, óculos e cabelo preso? Ele entra como um vento forte, eu que tinha preparado discurso e figurino sou pega desarmada num canto. Chega pra me dar um beijo, eu viro o rosto, ele senta no sofá, tristonho, diz que preferiu ir jantar antes de vir pra não me dar trabalho, que droga, até na desculpa ele me desarma. Ele é bom nisso, acredite... Vai ver o filho dormir, se demora no quarto, me entrega uma carta da mãe dele, fico lendo sentada no sofá. Depois volta, se aproxima, diz que me ama, que me sente distante, afastada, fria, quer saber se ando pensando em alguém. Como responder isso sem me comprometer? Ando, ando pensando em alguém, não alguém específico, com RG e CPF, alguém idealizado, alguém que pode tanto ser você como outro ali na esquina... Como fazer entender a subjetividade do meu coração? Não, não tem ninguém... Nada disso, pára com isso, não faço esse tipo... Mas que estou dizendo, diabos, de novo, ele sabe disso... Mas aqueles textos, aquelas coisas que você escreve.... Diabos... Como explicar que sou só uma menininha que fantasia demais pra alguém tão racional? Estou só esperando o príncipe chegar de cavalo branco, é isso, poxa vida... Pode ser você também, pode não ser, talvez sua chance tenha passado e o chapéu com a pluma não sirva mais.... Como dizer isso?? Desencana, não tem ninguém, se não quiser acreditar em mim, não acredite.... Já era, que droga, não consigo articular frases.... Deito no sofá, pensativa, ele diz que tem saudade, também tenho, diabos, to carente também, sinto falta de um beijo, de um abraço, de me sentir protegida, tão menininha, tão menininha... Aquela parte de mim que eu mais rejeito, aquela mais vulnerável e que é capaz de ficar feliz só com um agrado, parece que fica mais forte ali diante dele. É estranho demais. Ele sabe disso, ele sabe, ele sente... Não deixo que me beije, abraço pode, um abraço, um colo, tá escuro na sala, me encosto ao lado dele no sofá, tão cansada, quase 11, as mãos dele soltam meu cabelo, tiram meus óculos, fazem um carinho no rosto... Meus olhos fecham, e o impossível, improvável e absurdo acontece, eu durmo... Durmo no colo dele. Meia noite, sei lá, mais que isso, era tarde, acordo, assustada, ele sorri, quase um sorriso vitorioso, me beija na testa e diz pra ficar calma, que estava tudo bem, que ele estava ali. Mas que bela droga... Ele estava ali. Meia noite, não dava mais pra ir embora, ele fica, dorme na sala, E eu aqui, me sentindo o supra sumo da incompetência, assinando e autenticando o atestado de burrice. Ta bom assim ou quer mais?