O Morrer das Letras
Em formato de texto teatral
1º Quadro
Escritor entra em cena, falando no telefone, está esperando uma ligação. Olha insistentemente para o aparelho. Senta.
Escritor: - Anda, toca! Toca, por favor! Eu imploro, só uma vez, eu juro que atendo! Vamos lá. Ann, nova mensagem recebida!
(nota uma mensagem, lê, tem uma taça de bebida em mãos)
Escritor: - Seu livro, não será publicado, não insista, temos coisas bem melhores que suas obras, obrigado e não insista! Gratos, sua escrita se tornou horrível!
Escritor:- Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, que companhia nem sempre significa segurança, e começa a aprender que beijos não são contratos, e que presentes não são promessas.
Começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança; aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.
Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo, e aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam...
(desliga o celular. Pasmo).
Escritor: - Vai pro inferno!!!! Eu sou escritor... Ou era, não sei de mais nada depois deste telefonema... Mas é chato ser escritor, é cansativo, é gostoso, prazeroso, tão bom!
Mas agora vocês me dão licença porque eu tenho de me matar!
(pega a corda, faz menção de se enforcar, briga com o público licença)
Escritor: - Se me dão licença eu vou cometer um suicídio agora... Será que vocês poderiam não olhar para outro lado, é que eu tenho vergonha!... (tenta se enforcar). Eu desisto, sei que estou sendo observado! Curiosos!
(volta a sentar-se)
Escritor: - A Carreira é muito difícil, principalmente o começo. Eu me lembro de quando comecei.
(música 1 em segundo plano)
Devia ter uns quinze anos, procurei um jornal, e publicaram uma poesia minha. Depois mandei um artigo, e gostaram... Então ganhei uma coluna semanal. E assim foi com outro jornal, e com outro, e outro... Crescendo sempre. As vezes me ferrava com todos porque não conseguia entregar nos prazos certos... Ah que maravilha! E participei de concursos, e me ferrei em muitos também! Mas ganhei muitos prêmios, e era bem conhecido na internet, e em algumas coletâneas fixas. Até que lancei meu primeiro livro de poesias, e depois de contos. Até que consegui inventar uma boa história de ficção, com romance, que na verdade, lendo bem, era horrível, muito ruim mesmo, mas o povo gostou... E assim sucessivamente, tendo de deixar algumas coisas para fazer outras. E crescendo, crescendo... Aí quando alguém lhe encontra, parece que está falando com um alienígena, ou Edward mãos de tesoura, ou Sharon Stone em Instinto Selvagem, e lhe perguntam: “Como você escreve?” Eu digo: “bem, você freqüentou a escola, ao menos o primário?... Então, é exatamente da mesma forma que você faz!”
Escritor: - Porém há justificativa para a pergunta dela, pois escritores são uma das espécies mais estranhas que vivem na terra. Eles tem manias horríveis, são realmente seres de outro mundo. Alexandre Dumas, por exemplo, quando começava uma obra, não parava até acabar. Não se movia dali, e só se alimentava de líquidos. Verlaine, o grande poeta francês, só trabalhava drogado. Victor Hugo, escrevia de pé até quatorze horas seguidas. E eu mesmo tive algumas manias um tempo depois que comecei. Houve um tempo em que só escrevia em papel de carta, da ‘Moranguinho’, e depois só em papel higiênico de folha dupla aromatizado, de pêssego. Mas isso tudo acabou, aliás, eu acabei.
(para a música 1)
2º Quadro
Escritor: - Comecei a ficar sem inspiração, e inventei de viajar por aí para ter idéias e poder escrever. Mas desisti logo depois. Passei por todo Brasil, e em Brasília participei de um congresso nacional de escritores, e logo que entrei, prestei atenção numa roda de conversa cheia de sotaques, de todos os lugares, até de outros países.
Escritor: (baiano) - Oxi, acho que vi você lá em casa, na orelha de um livro que tenho bixim!
(carioca) – Sabe cara que pode ser mesmo, porrrque já lancei vários.
(paulista) – Pô mano, e como é que tu consegue cara, porque tipo assim, sem noção, é muito difícil lançar, muito difícil messsmo, porque tipo assim,meu, sem noção.
(mineiro) – Ara, mas deixe de besteira moço, que é fácil por demais da conta. Hoje em dia querem é saber do dinheiro, não importa se a obra é boa ou ruim, conselho editorial, é uma coisa que ta bem caída sabe.
(gaúcho) – Mas bá, a literatura nacional tá uma barbaridade! quem tem mais é que ta melhor, e nas editoras públicas leva um tempo pra lançar que Deus o livre guri!
(americano) – Oh, mas em partes, a culpa é do público que prefere obras que divertem e não precisem pensar.
(francês) – Quanto mais se envolver com a história, quanto mais possibilidade de realidade, mais o escritor conquista os seus leitores.
(português) – Ah, ora pois o gajo, que o mundo mudou muito, e quase todos preferem abrir uma página na internet, do que a página de um bom livro o pá!
(italiano) – Madonna mia, será que questa gente vai trocar o marca página pela barra de rolagem ann? Dio santo, porca Miseria!
E dali fui embora, porque a questão era realmente pesada: a literatura virtual ameaçava a real, e tanto sotaque até dava dor de cabeça. Mas andando por uns grupinhos que esperavam uma palestra, eu ouvi um sotaque delicioso inquestionável que dava todas as soluções:
(catarinense) – Ai nego, tax tolo! Té parece que essas cosa da mudernidade vão mudar a nossa literatura. En, em. Tu deixa de bobagem. Nós temos que pensar positivo. Invés duma coisa medonha, vai ser é bom quirida, porque tudo o que os escritô tem em página vão poder ter na intirnet nego... Ann, Tax Tolo!
Chegou um tempo em que eu não conseguia escrever mais. Eu não sabia mais. Ou será que nunca soube? “Como você escreve?” “Da mesma forma como você!”
3º Quadro
(O escritor pega as rosas, espalha no chão)
Escritor:- Eu estava perdendo minha arte, se é que a tive um dia. Eu precisava de uma musa, e escolhi uma moça por qual me apaixonei, ela era telefonista, mas o modo como ela falava ao telefone com os clientes não dava muita inspiração, e logo desisti.
Escritor: (telefonista) - Bom dia sol, bom dia flores, bom dia bactérias, bom dia micróbios, bom dia telefones, bom dia fibra óptica.
Bom dia sol, bom dia flores, bom dia bactérias, bom dia micróbios, bom dia telefones, bom dia fibra óptica, (o telefone toca, ela atende, muda totalmente o tom) Bom dia! Central, Danileudilene falando... Danileudilene senhora... Dani – leu – di – lê – ne! Exatamente... Um instante senhora, por favor seu número de RG, agora seu CPF por favor. Há quanto tempo tem telefone? Sempre utiliza nossos serviços? Já conhece nossas promoções? Seu endereço por favor... Ok, em que posso ser útil? Não sou eu quem realiza este processo senhora, um minuto, vou repassá-la para o setor responsável.
(Dani simula musica de ramal, muda o tom de voz)
Central falando, bom, dia! Por favor seu número de RG e CPF... Endereço completo? Há quanto tempo tem telefone? Sempre utiliza nossos serviços? Já conhece nossas promoções?... Pois não, em que posso ser útil? Este serviço é em outro departamento senhora, vou repassá-la para o ramal deste setor, algo mais em que possa ser útil?... Infelizmente esta utilidade não consta na nossa lista de serviços, não senhora, introduzir objetos cilíndricos em minha vagina ou anûs no horário de trabalho, não é possível... Porque se fosse possível!!!... Não senhora, minha mãe está em casa cuidando da família dela, e não cometendo estes atos. Esta informação de sermos todas prostitutas não procede senhora! Algo a mais?... Ok, a empresa lhe deseja em dobro todos os votos que a senhora nos faz, e torcemos fielmente para que sua vida seja bem ruim, para que a senhora sofra um terrível acidente e tenha o corpo repleto de feridas profundas e fraturas expostas, e que tenha uma morte bem lenda e dolorosa, e que coma fezes, e seja incrivelmente violentada em todos os locais onde passar... É a sua mãe senhora. Tenha um bom dia, a empresa agradece a ligação, sua imensa e horrorosa otária!
(desliga o telefone)
Telefonista: - Nada como saber manter a calma!
(O telefone toca novamente, Dani atende)
Telefonista:- Você ligou para a central de telefonia, para ter conhecimento de nossas promoções, disque 1, para atualização de dados, disque 2, para informações, disque 3, para falar com uma de nossas atendentes disque 4, mas pelo amor de Deus esqueça esta opção, para fazer reclamações ou opinar, disque 5, para, para xingar meus parentes, disque 6, para xingar apenas minha mãe, disque 7, para dizer que a minha voz é muito sexy e sou linda e maravilhosa, disque 8, para ouvir novamente as mensagens disque 9, ou aguarde... Danileudilene falando, bom dia... Dani-leu-di-le-ne, isso... número do seu RG por favor... Ah é você? Sua safada, tu de novo, vai ver se eu to na central de telefonia do Iraque, me esquece sua mal educada. É a sua mãe querida, sua horrorosa, desclassificada, sua baixa, coisa íntima, seu resto, sua sobra de domingo, ahhhh.
(desliga o telefone) A vida que pedi a Deus...
Escritor: - Não era muito inspirador. Aliás, a língua portuguesa num todo não anda muito inspiradora. Fomos de Águas de março, Edite Piaf, ao “Créeeeeeeeeeu, Créeeeeeeeu, ou “Piripipiripipirigueti”! De um tempo em que falavam; “O que vós missê deseja?” para: “O que que tu qué cachorra?”.
Eu quis várias vezes passar por esse momento, porque desistir não é fácil. Existem vários Waldirs Gomes, Márcias Reis, Celsos Leais, e Willians Brenuvidas, e eles são difíceis! (música 2)
(ele distribui as rosas, á algumas mulheres)
Escritor: - “Não sinta, nem minta. Exista pelos simples fato dos dias perfeitos, do que preferimos não ver. É o silêncio que edifica, certo, certo, só no silêncio que a confiança habita.
Eleva tuas crenças, reza pelas vidas que não existem, pelas santidades imaginárias. Isso é uma prece, e toda crença e reza... Promete!
Ainda estuoso é o teu resto, que vem como prece maldita. Sem confiar nas leis. Ata-me, mata-me. Deixe a escuridão me pertencer, e assim a terra não sentirá o pavor do meio-dia”.
Mas tem quem prefira e classifique, coisas do tipo: A porta era amarela, de ficou azul com meu pensamento azul, e coloriu todo o mundo em que eu vivia, porque colorido era meu pensamento! Lindo né?
O que é Literatura afinal? (para música 2)
4º Quadro
(pega papel e lápis, ou caneta e tenta escrever - música 3 - ele tenta escrever algo, muda várias vezes de posição nas cadeiras, se mexe, e faz poses diversas, calado – para música 3)
Escritor: - Não consigo! Não mais. E queria tanto sentir só mais uma vez o sabor, a sensação de ter em mãos um novo livro. É exatamente como um parto! Você fica ali, esperando as palavras finais, e o último ponto, e o prazo estourando para chegar na editora, várias pessoas sempre lhe ajudando)
(simula um parto de caras e bocas, faz pose de parto e se conserta, força, respira)
Escritor: - Infelizmente cheguei na menopausa, sou estéril. Mas poderia me dar bem com os inexperientes. Conhecer uma bela e jovem chefe de edição, e seduzi-la, traze-la até aqui para um jantar romântico, fatal!
Mas ela também pode ser uma tarada! (pensa, muda a sugestão). Unnn.
(ele simula ela chegando, e atendendo-a, antes arruma a casa imaginariamente. )
Escritor: - Olá meu bem, como é bonita a cor da sua roupa íntima!
Editora: - Oi, tudo bem? Nossa, acho que hoje vou conhecer outro lado de você! Adoro homens “multifacetados”!
Escritor: - Outro lado de você foi realmente ótimo querida! Sim, você conhecerá outro lado deste homem “multifacetado”. Um lado sedutor, carnívoro, fatal, sexy, ousado, esperto, charmoso, “multifacetado”. Que adora trazer belas garotas e depois as cozinha em fogo alto e chupa seus ossinhos depois do almoço!... Linda, “multifacetada”!
Escritor: - penso que seria perfeito e então ela descobriria meu verdadeiro lado, brigaríamos como loucos, quebraríamos a casa toda, entraria com uma ação na justiça, e sairíamos no jornal, no xingaríamos de tudo na frente de todos... Como seria lindo, com certeza a melhor briga da minha vida!... Se fosse real!
Escritor: - Mas tudo tem de haver um fim, nada é eterno, nem em palavras!
(música 4, recolhe as rosas das mulheres enquanto declama)
Escritor: - Num tablado iluminado se sonha, sob o calor do foco realiza-se uma vida de cenas partidas. O eterno presenteia a humanidade num gesto de infindável segundo, decorado em enredos bem cuidados pelo tempo, estreando ao desabrochar dos dons. Dotados de defeitos perfeitos, era pra ser assim toda lei da humanidade, pra terra sentir-se menos feia, e os caminhos não jogarem os rastros em vão ! Ninguém nunca vai saber... Pode continuar a fazer!
No teu rosto escuro, molduras enfeites de cores.
Quem será que se esconde naquela face?
A tortura de um brilho em milhões, e brincar de ser, fantasiar o que não se vive!
(pega a taça, bebe e fala com as rosas nas mãos)
Escritor: - E não me venhas com rosas humildes e magnatas, porque se me disseres, “do tamanho do meu amor”, eu lhe digo: “Do tamanho do meu amor” (esquema das rosas). (para música 4)Determinados! Alforriados! Olhando pra luz pra ver a chuva cair, caminhando aos destinos sujos sem poder sair... É do senso humano querer sem precisar, não faz parte do plano de total humanizar.
(música 5 ,larga a taça, relaxa na cadeira com as rosas, fala fraco, morrendo)
Escritor: - Seja o tudo de nós o quanto, hábil força do quando. Seja pelo surto, seja pela lágrima, seja para enfrentar a realidade e clamar a todo que seja... Bem vindo á vida!
(tempo de música, para a música 5)
FIM
Douglas Tedesco