Minha Pré-Escola

Minha Pré-Escola

Abner Almeida

Ah! A pré-escola! Quantas coisas não acontecem no nosso período do chamado “prezinho”.

Eu poderia contar mil histórias desta época...

Eu me lembro muito bem da 1ª fase. Era uma diversão danada!

Lembro que quase todos os dias nós íamos brincar na areia.

E também, não passávamos um dia sequer sem brincar de massinha. Quanto a isso, lembro que cerca de 96,7% dos meninos faziam aviões. Todos com o mesmo modelo.

Até que eu a vi.

Uma linda garota, com longos cabelos negros. E ela em seu tamanho elevado para nossa idade.

Enamorei-me.

Deus meu! Como era bela aquela garota!

E o nome dela? Juliana.

Cada vez que eu ouvia esse nome, eu sentia a minha alma queimar por dentro.

Sim! Eu, antes mesmo de saber ler, experimentei desta sensação. Embora não soubesse o que fazer.

Ela não era da minha sala. Isto é outra coisa de que me lembro muito bem.

Outra coisa sobre a Juliana: a mãe dela era uma das professoras que, aliás, nem era professora naquela época, e sim, “tia”.

Que decepção! Que decepção eu tive quando eu descobri: ela arranjou um namorado, cujo era da mesma sala dela.

O tempo passava. E eu sempre com ela em mente.

Era um amor platônico.

***

Minha segunda fase foi muito conturbada.

Eu tinha uma professora que, diga-se de passagem, não foi com a minha cara. Nem com a da minha mãe.

O porquê desse impasse? Não sei. Mas posso ter uma vaga idéia.

Lembro-me de que as reuniões eram de dois em dois meses, fora uma reunião no começo do ano. Aí está o ponto.

Lembro vagamente, mas posso afirmar com convicção de que as duas primeiras reuniões (a do começo do ano e a primeira após o bimestre) não foram por muito pouco, iguais.

Digo iguais, pois realmente, foram iguais.

A professora aparentava não ter nem se programado ao menos dez minutos antes de fazer a reunião.

Resultado: a minha mãe reclamou com a direção da escola. Ela dizia que tinha vindo à reunião para saber do desenvolvimento. Mas ela só escutou que “não deveria se esquecer de colocar a toalhinha na mochila dos filhos”, o que não deixou de ser verdade.

Eu posso até imaginar a repreensão qual sofreu minha antiga professora.

Desde então, criou-se uma contenda que podemos comparar com a Guerra Fria.

E quais eram as vítimas? Eu, eu e, pra variar, eu.

Lembro-me, que uma briga que foi, ligeiramente estúpida, patética, foi quanto à hora de pintar os desenhos, sendo que, de acordo com uma, eu deveria pintar forte. E de acordo com a outra, fraco.

Naquela época, não tínhamos nota de zero a dez, e sim, cinco carimbos: um com um sorriso bem aberto, um com um sorriso médio, um com cara de sério, um com cara de triste, e um que parecia uma pessoa que não tinha tomado o seu antidepressivo de tão triste que era.

Nós éramos demasiadamente fascinados pelo sorriso grande.

Eu sempre pintava meus desenhos bem fraquinhos e, abandonando a ponderação, meus desenhos eram absolutamente lindos.

Até que a infeliz da professora viu meus desenhos e disse: “Isto está horrível! Você precisa pintar com mais força!”

E toma o carimbo depressivo!

E eu não aceitei isso.

Mostrei para a minha mãe e ela disse que estava lindo, e que a sentença dada pela professora havia sido uma injustiça cometida.

Então eu continuei pintando do mesmo jeito. E a cena se repetiu várias e várias vezes.

Até que minha mãe não agüentou mais, e disse para eu pintar forte.

Então, no dia seguinte, a professora nos deu um desenho para pintarmos.

Então ela me viu pintando com força e disse até que com uma expressividade admirativa: “Que bom. Você está pintando forte agora!”

E a minha resposta veio: “a minha mãe que me falou para pintar assim”.

Eu e a minha boca.

Na hora da professora ver, ela começou a me “humilhar”.

E toma o carimbo depressivo!

E o que eu ainda não entendia, era que o meu estava tão bonito e com uma pintura tão forte quanto à de um colega meu que havia levado o carimbo com o sorriso gigantesco.

Meu peito arfava de raiva.

Quanto à leitura? Ah! Eu era excepcional.

Lembro que destoei numa discussão com um garoto!

Veio-nos uma atividade onde numa parte da folha estava escrita a palavra xícara e o objeto correspondente acima.

Então, como a minha mãe já me havia ensinado o duplo erre, eu li tranqüilamente e disse para um colega meu: “Olha só! Aqui está escrito xícara. Porque quando tem um erre se lê assim”.

E ele me respondeu: “Não! É ‘xícarra’”.

E eu retrucava: “Mas aqui só tem um erre! Só seria ‘xícarra’ se fosse com dois erres”.

Resultado: saímos no braço.

Mas a minha segunda fase não me trouxe somente lembranças ruins, conquanto estas sejam em irretorquível maioria.

Em meio a isto tudo, me lembro de uma cena: um colega meu, da qual a corpulência é invejável à figuras como Faustão e Jô Soares, apareceu com seu indicador todo ensangüentado e, ainda por cima, desatando a chorar.

A minha professora perguntava com um imenso desespero o que havia se passado.

E a resposta que saiu em meio ao choro e aos soluços foi: “Eu apontei meu dedo!”

Não agüentei e minha gargalhada prorrompeu na tensa sala.

E durante todo esse tempo, um nome ecoava em minha mente: “Juliana”.

***

Minha terceira fase não me deixou tentas lembranças quanto à segunda.

Entrementes, por fim, aconteceu.

Todos os meus amigos sabiam. E naquela época, não sabíamos e nem tínhamos provado da traição. Aliás, isso nunca chegou a passa por nossas mentes.

E a Juliana, até o que me lembro, nem suspeitava de que eu gostava dela.

Até que, num belo dia ensolarado, como diríamos num conto de fadas, estávamos numa fila, (não me pergunte para o que porquê eu não me lembro. Mas posso dizer que não era uma fila de merenda ou algo assim. Mas sim uma fila para ir a algum lugar) e uma amiga dela me deu o recado: “Abner, a Juliana perguntou se você quer namorar com ela?”.

Eu estava estupefato.

Depois de aguardar longos dois anos e meio, finalmente meu peito arfava, não de raiva, desespero, ou quaisquer das coisas ruins que me aconteceram, mas sim, de felicidade.

De tão atônito que estava, minha voz quase não saiu quando verbalizei o que tanto esperava: “sim”.

Quando eu cheguei em casa, eu transbordava de tanta alegria que havia em meu pequeno coração, em minha pequena e pura alma.

Eu me sentia onipotente.

Pobre de mim.

Eu somente podia ver aquele momento. Não era capaz de raciocinar nada. Na minha mente, mas do que nunca, a única coisa que havia era: “Juliana”.

A minha alegria foi inefável de tão grande.

Então, percebi que a expectativa é muito melhor do que a conquista.

O por quê? Simples.

Em uma semana eu já estava reclamando com a minha mãe de que ela me fazia carregar o material dela, ela não largava do meu pé, não me deixava conversar ao menos com meus amigos, ela me queria somente e inteiramente dela.

Agora eu me lembro de algo muito interessante que meu professor de violoncelo me disse: “Você não quis tocar cello? Se vira!”.

Isto foi dito quando eu encontrei certa dificuldade em uma música.

Olha que engraçado, meu professor de cello, quase oito anos depois que isso aconteceu, me fez refletir sobre a Juliana.

Eu a queria. Pronto! Eu a tive. A partir daí ela passou a ser o meu fardo.

É muito estranho. Eu não me lembro como nenhum de meus namoros acabou. Mas lembro muito bem como eles começam.

O que eu lembro, é que a Juliana foi nossa oradora da turma na formatura.

Depois nunca mais a vi.

Abner Almeida

Abner Almeida
Enviado por Abner Almeida em 09/04/2008
Reeditado em 09/04/2008
Código do texto: T937929
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