No Ônibus.
No ônibus.
Ele mal tinha idéia do que passaria ao subir no mesmo ônibus de sempre, com destino ao mesmo trabalho de sempre, porém com a mesma felicidade de sempre.
Como de costume, o ônibus estava relativamente vazio, como se cada alma dentro dele tivesse sido selecionada à mão para estar ali naquele momento. Cada rosto que olhava sonhadoramente para além da janela lhe despertava à memória lembranças recentes.
Aquela senhora, coitada, que uma vez teve de ser socorrida ao se enrolar com bolsas na roleta. Aquele homem, com terno brilhante, cabelos penteados, aparência fria e impenetrável, mas que ajudara a pobre velhinha de tão bom grado no episódio das bolsas. O rapaz, com uniforme e fones de ouvido, que seguia sempre sonolento rumo ao seu colégio. Enfim, o seleto grupo de passageiros seguia tranquilamente sua viagem. Cada um com seu rumo. Cada um com seus pensamentos. Sorrisos e acenos de cabeça demonstravam um bom entrosamento entre eles.
Após sentar-se em um assento escolhido ao acaso, ele olhou para a janela. Vultos e sombras passavam rapidamente pelo cenário, e parecia tentador ficar admirando-as enquanto o ônibus se deslocava com velocidade por entre as ruas e estradas, desbravando a mata de cimento, colhendo aqui e ali mais algum passageiro.
Aconteceu tudo muito rapidamente. Enquanto ele olhava pela janela, ela entrou no ônibus e sentou-se um banco a frente do dele. Ele não percebeu imediatamente, mas o perfume da mulher pareceu dominar o ônibus e, automaticamente, ele olhou para procurar a fonte daquele odor tão maravilhoso. Pôde avistá-la, então, a apenas um senhor de distância dele. Cabelos amarrados a nuca com um charme quase que proibido para o local, um mero ônibus. Pele branca e suave. O laço do vestido em sua nuca, se é que era possível, a deixava ainda mais impressionante.
Infelizmente tudo que podia ver era isso, mas seus olhos nem se mechiam. Ele sabia, tinha certeza absoluta, que ali estava uma mulher maravilhosa. Podia sentir, é claro, admirando-se que só ele tenha notado até então de que ali sentava um anjo.
Riu-se sozinho, amaldiçoando carinhosamente esses meros mortais que ousavam dividir o ônibus com ela. Ele mesmo sentiu-se deslocado diante de tanta magnitude.
Porém, um sentimento estranho lhe ocorreu. Como era possível estar percebendo, estar se surpreendendo, por uma mulher que nunca antes tinha visto na vida? Ela nem sabia que ele estava ali. Talvez ela tivesse marido, filhos... Não, ele sentia em seu peito que não.
Olhou mais uma vez para a paisagem que passava distorcida pela janela, borrões de cores diversas e brilhos difusos, que dançavam a medida que o seu destino se aproximava. Admirar a janela já não era mais tentador. Desviou seu olhar, então, novamente para a misteriosa mulher, e seu coração acelerou.
A parte do rosto da mulher que ele conseguia avistar refletia o sol com tal intensidade, que era quase uma tortura não ter um ângulo decente para admirar tal beleza. Aquela beleza misteriosa.
Percebeu que boa parte dos passageiros que vinham desde o inicio da viagem já não se encontravam mais ali. O homem de terno provavelmente já estava em seu escritório. A velha senhora, por sua vez, talvez cozinhando alguma coisa para os familiares. O jovem rapaz, já em sua sala de aula, se divertindo com seus amigos. De fato, ao olhar a sua volta, apenas 3 passageiros ainda permaneciam no ônibus. Ele, ela, e o senhor, entre eles dois.
Um senhor de aparência cansada, que seguia a viagem silenciosamente, talvez indo para o trabalho, talvez voltando de uma jornada cansativa, dividindo com eles a mesma paisagem cinza e brilhante que desenrolava além dos vidros. Mal ele sabia o que se passava na cabeça do homem no assento logo atrás.
Se ele tivesse uma oportunidade, uma única oportunidade. A coleção de coincidências era incrível! Só restavam eles três no ônibus, em plena manhã de quarta-feira. E o motorista, indiferente ao que acontecia ou deixava de acontecer no veículo.
Ele buscava uma brecha, talvez um modo de se aproximar dela. Perguntar as horas? Não, seria forçado demais. Quem sabe levantar-se e sentar-se no assento à frente do que ela estava? Não, ele não teria mais nenhum ângulo para admirá-la.
Ele não sabia quanto tempo havia passado desde que entrara no ônibus. Sabia que estava chegando ao seu destino, mas não sabia se desceria do ônibus antes de falar com ela. Pelo menos dizer um "oi", olhar em seus olhos, mesmo que ela o ignorasse. Aquilo parecia um sonho, daqueles bem confusos. Via ela se mecher, preparando-se para soltar. Desceria junto, estava decidido. Respirava cada vez mais ofegante, e o sorriso em seu rosto se mostrava cada vez mais aparente. Falaria com ela. Diria a verdade? Não tinha certeza de como ela reageria ante a declaração de um completo desconhecido.
Ela levantou-se, e puxou a cordinha para o ônibus parar, era agora ou nunca.
A ordem dos acontecimentos a seguir ninguém sabe ao certo. Sabe-se que ele desceu no mesmo ponto. Sabe-se que ele estava completamente apaixonado por uma mulher que nunca antes tinha visto na vida. Sabe-se que amores a primeira vista são os que duram para sempre.
Você provavelmente está se perguntando quem narra essa história. Provavelmente perguntando quem era o senhor entre eles dois, que nunca desceu em ponto algum. O motorista jura que só haviam eles dois até o final da viagem. E ainda, deve estar se perguntando que fim levou isso tudo. Aqui vão algumas respostas, para todas as perguntas que você possa ter.
Ela é tão linda quanto eu achei que fosse.
Ela não tinha marido e filhos.
Ela é tão simpática e amável quanto era misteriosa.
Confessei a ela o que passei no ônibus e ela simplesmente me beijou.
Sim, estamos juntos atualmente, e vamos nos casar.
É incrível como certas coisas na vida acontecem de repente. Quando você menos espera, alguém aparece e transforma sua mente num turbilhão de desejos e sentimentos. É incrível como existem pessoas que são feitas uma para a outra. Seja num ônibus, seja no trabalho, seja na rua. Você está disposto a amar em qualquer lugar desse mundo. O amor existe e persiste até nos cantos mais escuros e desertos. É so você manter os olhos abertos. Uma hora, o seu amor aparece. Pode levar semanas, meses, anos. O importante é não desistir e não se fechar para o amor. Ele ainda existe. E ainda vai mudar o mundo.
Quanto ao senhor que estava entre a gente? Bem, há quem diga que ele era um simples passageiro que desceu sem o motorista ver. Bobagem, na minha opinião. Imagino o quão diferente seria tudo se ele não estivesse ali entre a gente.