SERES E CENAS DO LITORAL

Neste madrigal de areias e águas o vento morde como um jovem lobo. E a alcatéia madura vem vindo, curiosa, à esteira dos outros. Ela e suas fomes nunca saciadas. Para o forasteiro bisbilhoteiro, os temores do dia seguinte nas entranhas do povo tudo entorna, num estranho rito ancestral.

O litoral sul da Pátria é um pandeiro beduíno de etnias.

Os assuntos do lugar comum da vida se resolvem no bate-boca, no jogo ladino da maledicência e até na inconseqüente porrada. Permanece nas garatujas memoriais o ríspido jogo das inverdades. A algaravia das mulheres ao estender a roupa nos varais torna o mundo doméstico mais íntimo e solidário. O alto volume dos aparelhos de som fazem da quadra um alegre salão de baile.

O vento grunhe permanentemente no casco dos barcos e na ferrugem das aldravas.

Os sapos se arrinconam nos pátios e assustam os incautos de olhos e formas, nos ângulos mortos de luz e luas. As rãs estridulam nos brejos, nos vadios terrenos de pasto alto e detritos. Entre o mofo e os cupins, graciosas lagartixas camuflam o corpo magro nas frestas das casas.

O vento “nordestão” povoa o mar de tainhas costeiras e alarga o bolso de pouco pano dos pescadores gastos pelos ventos e maresias.

Amanhã tem festa e quermesse no salão e no pátio da igreja. A cara alegre e marota da “marisqueira”, do quentão e do vinho vai colorir o rosto dos “fogonaços”. O pároco – no Santo Antonio e São João – vai rir à toa, enquanto a imagem no andor treme ao pulsar dos devotos.

É a invernia descendo na correnteza dos dias.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/935176