Qual é a dificuldade? (Maria Mal-Amada)
Qual é a dificuldade?
Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada
de Lorena de Macedo
Qual é a dificuldade em entender que eu preciso de silêncio tanto quanto de sossego e paciência. Preciso do silêncio da madrugada que foi feita para não ser perturbada pelas pesadas passadas do seu sapato de salto. Preciso da manhã sonolenta, da tarde cinzenta, do calorzinho do meu banheiro após um banho bem quente e demorado.
Preciso que você entenda que não está sozinha. Não está sozinha nem ao menos para falar mais alto quando bem entender. Gritar a letra daquela música melosa que marcou o seu último romance...
Só preciso que você entenda que a política da boa vizinhança é como uma lei universal para mim.
Não quero reclamar para o síndico das suas experiências noturnas com os mais diversos seres-humanos... Os gemidos são seus e de quem dividi-los com você, eu só queria dormir em paz. O sono que me consome pela falta dos meus próprios gemidos na verdade é mau-humor e eu não estou a fim de me explicar...
Discrição é tudo o que você precisa ter para que eu seja mais feliz. Suas historinhas sem graça durante nossos encontros no elevador não me interessam nenhum pouco. Mas sou educada e escuto você com um discreto sorrisinho durante os andares que compartilhamos dentro do caixote móvel. Sinto muito se o seu celular caiu na privada porque você se esqueceu de tirá-lo do bolso, mas não me interessa saber. Na verdade, eu não sinto! Não me importo se você quebrou a chave dentro da fechadura pela terceira vez e o chaveiro da esquina começou achar que você está criando pretextos para se encontrar com ele.
Você pode até achar que sou fresca e chatinha. Provavelmente vai acertar em quase todos os adjetivos dirigidos a mim. Está escrito em minha testa: Sou chata, e daí?
Qual é o problema em querer as coisas do jeito certo. O meu jeito certo. O jeito que todo mundo deveria achar que é certo.
O seu bom-dia é algo que me irrita muito. Faça o favor de acordar mais tarde para evitar encontros desnecessários. Sei que pareço mergulhada em um poça de amargura, mas é só preguiça de olhar para seu sorriso sincero todas as manhãs no mesmo horário e me ver obrigada a respondê-lo com algum tipo de frase civilizada.
Onde está a dificuldade em entender que nem tudo gira ao seu redor. Você divide metros quadrados com outras pessoas que também querem viver... Sou cheia de manias, mas quem não é? Às vezes me pergunto seriamente como pode ser assim tão alegrinha. Sempre perfeitinha, arrumadinha, educadinha...
Estou começando a desconfiar... Há algo errado nisso tudo. Você deve ter flashes de puro mau-humor em algum momento da sua semana gloriosa. Deve conhecer palavrões que me deixariam desconcertada, e certamente se irrita com as minhas passadas barulhentas em revide ao seu salto alto.
Faça o favor de ser menos para que eu possa ser mais. Assim o equilíbrio será restaurado e entre nós não haverá mais revides sem efeito nem sorrisos com defeito. Só depende de você.