O outro

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Casamento!? Ah, amigo, é a melhor coisa do mundo! Se eu pudesse casaria toda semana – no máximo, suportaria esperar um novo altar uma vez a cada mês. Com mulheres diferentes, claro!

Ouvimos barbaridades sobre a falência da vida a dois desde sempre. O que já me encheram os ouvidos com aforismos do tipo ‘casar é maravilhoso; o difícil é permanecer casado!’, ‘o casamento é uma instituição falida’... Entretanto, apesar das adversidades impostas por atavismos de protagonistas de relações mal-sucedidas, inexiste ajuntamento humano mais sublime e tão enxertado de encantamento, dentro do convívio social, que uma cerimônia matrimonial.

São tantos os convivas, são tantos os padrinhos e são tantas as testemunhas que o santo rito de tantos tantos e tantas se torna lúdico a tal ponto que precisamos mesmo é estar lá. Saber que um de nossos amigos casou através da língua ferina de terceiros não tem a menor graça, é mesmo uma inconteste punhalada pelas costas. Isso para mim, por exemplo, é uma vitória de Pirro! ‘– O cara casou e não me avisou? Quanta desconsideração! Esconder isso logo de mim, o inseparável amigo de tantas farras, não acredito!’ (O ‘não acredito’ é em relação ao ato de casar, apenas a ele). É que nessas horas somos tomados por um impulso involuntário de incredulidade e nos revestimos da máxima de São Tomé. Assim, se não presenciamos o fato em si, não acreditamos nele e, em não crendo, nosso amigo continuará sendo o velho parceiro, o parceiro velho de guerra.

Alguns pesquisadores do ‘pós-sim’ acreditam residir nisso toda a gênese dos amigos impertinentes e crêem estar na herança pós-ressurreição dos ditos tomerianos a origem dos primeiros dissabores conjugais, quando os vermes desanelados perturbam uma relação aneliforme ainda tênue e preambulosa. Casar talvez seja mesmo um ato de doação e de coragem e, permanecer por toda uma vida tão altruisticamente corajoso, até seja um indicativo de burrice. Se for, tudo bem, eu sou burro, um beócio recalcitrante. Afinal, ninguém é perfeit, ora!

E a espera angustiante por noivas que teimam em não chegar nunca? Demora meticulosamente articulada com o cerimonial ou aplicação direta, pura e simples, do Princípio da Incerteza de Eisenberg?

Inefável também é a cara do noivo ao receber a nubente da mão do pai ou de alguém que o valha – casamento era, pasmem outra vez, algo tão imutável e perene, mas tão suscetível às mudanças do tempo que essa transmissão de faixa, essa cessão de posse e de poderes, está cada dia mais reticente. Hoje, ao contrário de taciturnos, barrigudos, carecas e orgulhos velhos, transmutamos para um lapso temporal dentro do casamento e nessa etapa solene dentro da confraria, as iminentes esposas, não raras vezes, são entregues ao noivos por mãos joviais nada paternas, mas com ares de beligerantes guerreiros, incrustados com perfidiosos sentimentos de rivalidade.

Entre os tantos convivas, as tantas testemunhas e até entre os tantos padrinhos ficam as indagações: Quem é?... Amigo?... Primo?... Não. É apenas o mais novo amigo íntimo da mãe da noiva que será apresentado durante a festa. Isso é a modernidade! Nos modernos tempos, a frugalidade das relações extirpou o bom senso, a sensatez invulgar da temperança e a preocupação com o ridículo, pois o sentimento humano é o paradoxo da realidade concreta. Assim, quanto maior o vazio, mais rapidamente uma pseudo-relação tende a preenchê-lo. Isso nos serve como alerta nos momentos de carência. Nessas horas, podem surgir, além de efêmeros fantasmas, novos monstros, ingenuamente identificados como primevo amor ou nova paixão.

Como eu nunca vi o filho entrar com a mãe, em nenhum dos casórios que já ui, falarei apenas da entrada da noiva, o que acho pertinente.

As sogras, essas não mudam, continuam as mesmas. Mães não se provetam! E elas, coitadas, envolvidas pela emoção das filhas entregues aos genros queridos, quase nunca traduzem o olhar fulminante dos novos membros da família. Há nesses olhares um desabafo inconsciente e cheio de mágoas agradecidas.

Durante a homilia, acredito que o futuro papai deva imaginar, numa retrospectiva em preto e branco, de toda a caminhada anterior àquele momento. Primeiro beijo, primeiro abraço... primeira discussão temperada, óbvio, pela querida mão da sogra. Este noivo, em especial, não olvidou e não esquecerá nunca do dia em que foram ao cinema e ela (a noiva) não compareceu, conforme o combinado, de sainha. Ao encontrar o então namorado, antes de qualquer pergunta, sentenciou: ‘– Mamãe não deixou!’

Ah, mas o tempo é sábio e inequívoco. Em anos futuros, farei uma previsão nada agradável às senhoras esposas. Repito: – Depois de alguns anos de casados, na Napoleônica rotina do lar, não haverá saia, nem baby doll, nem nudez que anime o fogoso marido, pois, com o tempo, a melhor saia é a da amiga; o melhor baby doll é o da vizinha...

Casar é bom demais! É, indubitavelmente, a melhor relação que nos ajuda a descobrir a outra!

Nijair Araújo Pinto

Juazeiro do Norte-CE, 21 de janeiro de 2007.

22h38min