COISAS DO TEMPO - II

É evidente que eu estava ansioso e quase a correr enquanto me dirigia para o local das provas, mas havia em meu íntimo aquela gostosa sensação de uma porta da esperança se abrindo e me dando passagem e isso transmitia ânimo e tranqüilidade ao meu espírito. As fórmulas, os cálculos, as regras, os conceitos e as definições estudados ao longo do tempo de preparação para aquele momento dançavam-me na mente. Eu dizia para mim mesmo que estava realmente em condições de lograr êxito naquela empreitada. As matérias exigidas para o concurso tamborilavam o meu cérebro com tanto frescor e tamanha certeza que o meu coração, embora arrítmico por causa do frenesi circunstancial, viajava em águas remansosas, sentia-se estranhamente bem. Nenhuma pretensão havia, posso afirmar, mas algo dentro de mim parecia dizer-me para relaxar e procurar fazer o melhor que eu pudesse, tudo naquele momento dependia da vontade de Deus. O que havia para estudar eu já vira, se algo precisava aprender eu tentei. Era uma grande chance e a sorte estava lançada.
O Colégio Diocesano Santa Luzia me pareceu imponente, grandioso, caro, o tipo de espaço ao qual eu não estava habituado. Por isso, quase perdido foi como me senti quando lá cheguei. O ruge-ruge de candidatos, fiscais e curiosos embolava o meio de campo e a impressão que ficava era de ter entrado numa briga silenciosa onde todos queriam vencer a todo custo. Tartamudo, meio tímido, todo engomado e cheirando a loção, via as pessoas circulando para lá e para cá, conversando, falando alto uns, sussurrando outros, sem saber por onde começar a indagar onde seria a sala para na qual eu faria as provas. Queria dirigir-me a um, mas ele me olhava aborrecido então eu refreava o impulso e recalcava a questão, procurava falar com outro, mas não encontrava guarita aos meus apelos visuais, e qual bicho do mato desconcertado rodava de um canto a outro procurando a quem perguntar ou a ver se encontrava pelas paredes do colégio alguma relação onde constasse meu nome e o número da sala.
Finalmente vi meu nome numa das diversas relações estampadas nas várias paredes espalhadas no prédio vetusto, tratando agora de procurar a sala 35 onde ficaria. Lá estava ela, já um tanto comprimida pela quantidade de candidatos sentados à espera. Cumprimentei a todos e entrei procurando onde alojar-me para a longa jornada de testes. Coloquei sobre a carteira o lápis, a borracha e a caneta que trouxera e, agora mais seguro de minha posição, olhei a classe em que me puseram pensando quantos filhos e filhas de pais com boas condições financeiras já tinham estudado naquele mesmo lugar, onde os professores ganhavam bem e não faltavam às aulas e de onde saíram para as faculdades e para a cidadania homens e mulheres para os cargos importantes de Mossoró e alhures. Eram exatamente 07h:30m quando entraram na sala os fiscais do banco(três) carregando as provas lacradas. Imediatamente o converseiro parou e fez-se silêncio. Eles colocaram os pacotes de provas sobre a mesa do professor, deram bom dia e deram algumas explicações e regras sobre a lisura do concurso e o que exigiam de todos na sala quanto ao comportamento após o início do certame. Chamou aleatoriamente três candidatos e mostrou-lhes o lacre em todos os pacotes. Feito isso, sob o silêncio sepulcral da turma, olharam o relógio, fecharam a porta da sala, preencheram mapas e esperaram o exato e britânico momento de começar a batalha.
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 04/04/2008
Reeditado em 04/04/2008
Código do texto: T930834
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