OCEANOS DE MARÇO

O padre, acostumado com os atrasos, contribuía alongando as formalidades da última parte da missa. Os fiéis, entediados, esperavam a bênção. Automóveis enchiam o cruzamento de avenidas. Havia ambulâncias se movimentando lentamente para acomodar-se à entrada de emergência. O engarrafamento afogado em buzinas estridentes.

Onde está? Já chegou? Está atrasado, aliás, estão os dois atrasados. Organize tudo. Faça isto. Procure Fulano. Onde está Cicrano? Por que está tão nervosa? Respire fundo. É pra já. Não vai acontecer nada. Vai dar tudo certo. Chegou. Quem chegou? Beltrana chegou. Sim, pensei que fossem eles. Não. Falta pouco, tenha paciência.

Uma colisão. As atenções se desviaram, ganhei tempo. Perguntei a um desconhecido. Por que a demora? Era um bêbedo, quase caí com o bafo. Foi bom, tive mais minutos trabalhando em meu favor.

Um homem do tamanho de um coqueiro puxou o mendigo bêbedo pelas costas, empurrou-o para o meio da rua. Ele só queria participar, ficar na fila com os outros. Ficou no meio da rua, estatelado, sem entender o que acontecia.

Eu já imaginava a desfeita, os comentários, as conseqüências. Sairia correndo pelo meio da praça, desapareceria na multidão de um ônibus. Controlaria o nervosismo puxando conversa com desconhecidos. Podia ver o espanto de todos com aquela minha roupa e maquiagem.

Oi, está distraída? Venha, está quase na hora, já estão aí. Já? Verdade? Mesmo? Tem certeza? Onde? Pra lá, não, venha por aqui, estamos organizando a entrada. A moça foi me conduzindo, conduzindo.

Fique aqui. Por quê? Porque está na hora. Chegaram, não ouviu quando eu disse? Seu lugar é aqui, fique quietinha até ser dado o sinal.

O coqueiro olhava feio para cada pessoa sem se incomodar com o sexo, a idade, a cor.

Um olhar de pit-bull, a alma de fera. Garantia o suntuoso automóvel preto estacionado na larga calçada. Ali estava a jóia preciosa à qual recebera por incumbência cuidar, custasse o quanto custasse. Até morresse para defendê-la. Outros cães adestrados rondavam as portas laterais. Hora de iniciar a solenidade de praxe. Havia pessoas ainda mais nervosas que eu. Uma senhora passando mal, outros chorando. Um murmúrio saiu voando pelos bancos da igreja: Há um médico por aqui? Não seria melhor atravessar a rua em direção ao hospital?Quase sem ar, a senhora sentou-se. Amigas e parentas tentaram acalmá-la, trouxeram água, abanaram.

A fila de gente produzida entrava vagarosamente, o fotógrafo e equipe de iluminação documentando. A cerimonialista buscava a perfeição. A iluminação alcançou um auge não se sabe devido a quê, talvez aos anjos.

Olhando um pouco para cada lado vi como cresceu o número de seguranças em ação. A mulher acudida voltara um pouco ao normal, olhava desesperada para cada imagem do altar, a boca batendo em orações. Temia pelo filho. Aproveitei e pedi a proteção de Maria para a menina, vinte anos, um anjo em luz e beleza. Senti a igreja girando como um carrossel. “Eu tenho tanto pra lhe falar, / Mas com palavras não sei dizer, / Como é grande o meu amor por você”.

Dois trompetes fizeram o templo parar. Aquela marcha tão conhecida tornou-se nova, encheu ainda mais de estrelas a nave religiosa. O anjo flutuava no tapete. O Amor esperava para entregar-lhe o destino.