O Mosquito e o Mistério da Vida
Havia um mosquito que me torturava quando eu tentava dormir. Como chegou ao meu apartamento no oitavo andar, Baygon nenhum conseguia explicar, mas ele fazia-se presente á noite, antes do sono, com o seu zumbido à 100 decibéis que “PSIU” nenhum poderia silenciar.
Já estávamos travando essa batalha há dois dias - ele lutava pelo meu sangue, eu por uma noite de paz – quando o flagrei distraído entre a cozinha e a sala. Não pensei duas vezes e usei a primeira coisa que me veio ás mãos, um copo de vidro, e o aprisionei entre o espaço do copo e a mesa de madeira. Entusiasmo, gritei de júbilo, conseguira capturar o mosquito maldito, que agora voava de um canto para o outro, para cima e para baixo, sem conseguir escapar da prisão de vidro.
Comecei a pensar em como deveria exterminá-lo: deixá-lo perpetuamente dentro do copo? Levar o copo até a pia da cozinha e afogá-lo com á água da torneira? Espalhar o veneno mata-mosquito pela beirada do copo e observá-lo definhar? Qualquer que fosse a forma que eu escolhesse, esse mosquito jamais me picaria ou atormentaria novamente.
- Você escolheu o humano errado, Mosquito!!! – gritei, prestes a executá-lo.
Então, o moleque vingativo e imaturo começou a dar lugar ao velhinho Zen que também mora dentro de mim e comecei a me dar conta que estava feliz com o infortúnio do mosquito. Eu estava realmente contente com a idéia de eliminar aquele “inseto” da face da terra, o velhinho não. Compreendam que o velho Zen não tinha remorso pelas milhares de formigas que já pisoteara ou os outros mil insetos que tiveram o azar de bater no pára-brisa da sua vida; ele sabia que era virtualmente impossível, viver sem machucar esses seres, mas ele tentou explicar ao moleque que aquele combate já estava resolvido e o mosquito era o vencedor.
- Vencedor? Ficou louco, velho – disse o menino – A vida desse mosquito está na palma da minha mão.
- Você já sabe, garoto, que nunca conseguirá matar o mosquito, apenas a imagem dele; pois a vida não pode ser morta e a mesma vida que há no mosquito, habita em você. A mesma faísca de vida que te movimenta, move o mosquito. A imagem do mosquito poderia até desaparecer entre as palmas da suas mãos, mas não tenha prazer com isso. Libertar ou matar não está em questão; o que peço é que reflita sobre o que você está sentindo, diante da opção de matar ou não o mosquito.
Coisa medonha essa coisa de anjo e demônio, moleque e velhinho que sempre travam combate dentro da nossa mente. Há momentos onde precisamos deixar o diabinho tomar as rédeas, mas há outros que os anjos velhinhos precisam intervir e apertar o botão da sabedoria.
Se é impossível evitar pisotear as formigas na rua; dá ao menos para, vez ou outra, treinar a compaixão e deixar viver aquele bicho, inseto, animal ou até mesmo um rosa que poderia permanecer mais tempo viva no jardim, do que no vaso da sua casa.
Além do conto espírita da alma com RG; o velhinho vive dizendo que depois da morte, não há nada senão vida.
Há somente vida, pura e livre, se manifestando aqui e agora, ontem e amanhã, ou em qualquer espaço e tempo que ela quiser estar. Vida que entra e sai de mosquito e se torna girafa e então menino; pois não há Deus ou Deusa, se eles não habitarem em tudo e todos.
No passado, só enxergávamos o homem, como ser divino na terra; hoje, sabemos que todos os seres vivos são partes de um mesmo organismo: extermine uma espécie e todas as outras sofrerão. Imagina, amanhã, quando descobrirmos que o muito que sabemos hoje, não passa de mundo quadrado, esperando um Colombo, que com a analogia da forma de um ovo, virá nos explicar que o mundo sempre foi redondo.
O velhinho me ensina essas coisas com o seu conhecimento de vidas; e o menino com as suas travessuras e dedos na tomada, que através da prática, formam a base da minha fé nas coisas, meu ponto de vista e meu amor pela vida.
Que ironia é viver em tempos, onde enxergamos espiritualidade até mesmo em mosquito. Exagero ou não, todas as formas de vida são sagradas e apesar de não aconselhar ninguém a se deixar ser mordido por mosquito, vale a pena, meditar nisso: o que será essa faísca de vida que move o mosquito e qual é a sua relação conosco?
Quanto ao mosquito, o deixei partir. Sortudo, ganhou mais algumas horas de vida; mas a mesma sorte que o libertou, pode se ausentar a noite, quando o velhinho estiver dormindo e o moleque acordar irritado, com o zumbido no ouvido e usar a sandália do silêncio para o mosquito calar.
Frank Oliveira
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