Dias Sombrios

       Estão custando a passar os meus dias sombrios. Não gosto disto. Não estou acostumada. Tanta coisa para fazer e parece que o tesão acabou. A única coisa que me deu prazer foi comer goiabada com queijo. Três longos dias em que só sinto vontade de dormir.E de comer goiabada com queijo. Mas não durmo, só como.  Os meus livros descansam no chão junto a cama acumulando poeira e eu nem olho para eles. Para a balança no chão do banheiro, eu dou meu olhar de desprezo. Juno está prometendo sair de cartaz sem que eu o veja. Os jornais já foram para a cesta de reciclagem sem serem lidos, as cartas dos bancos permanecem fechadas e também a dos amigos, os convites sem respostas. De repente olho para trás e as coisas que fiz, que vivi, perderam o significado.  São aqueles dias em que as perguntas básicas são metafísicas: para que vivo? por que vivo? qual o sentido da existência?  Razões? Devem existir, existem. Mas são razões que sempre existiram e nunca me incomodaram. Ou se incomodaram, já esqueci.Talvez seja possível entender agora porque Van Gogh cortou a própria orelha, apesar dos campos de girassóis. E eu nem tenho campo de girassóis...Mas, ao mesmo tempo pergunto: por que a orelha? que coisa mais esquisita para se cortar! E pensando, começo a me distrair. E a lembrar de coisas bonitas. Fui a Gramado e Canela, em meados do mês passado. Alugamos um carro com motorista e nos divertimos muito. Foi caro, mas foi o dinheiro mais bem gasto da viagem. Um dia inteirinho por conta do acaso, indo onde o guia queria ir, parando onde queríamos parar. Lá, as questões metafísicas não me incomodaram, nem os problemas que deixei para trás. Apesar da lembrança, que me trouxe tristeza, andei no teleférico por sobre um vale de hortências. A lembrança? Mônica, a minha amiga que morreu ano passado, em um acidente com um teleférico. Escrevi sobre isso, no Meu Diário, aqui no Recanto. Visitei uma casa alemã, onde comi a mais deliciosa torta de maçãs de minha vida. Andei pela zona rural, perambulando por um cemitério na hora do ângelus, que ouvi de minhas lembranças. Caminhei em volta de uma lagoa, sem pressa, parei para reverenciar as águas cristalinas de uma queda dágua. Transformei-me em criança em uma loja de chocolates onde havia degustação. (Acho que foi a partir daí que resolvi me afastar da balança). Fiz coisas tão simples que me fizeram sentir parte do Universo. Deste mesmo Universo do qual me sinto expulsa agora. A vida está chata, completamente chata. Mas o que mudou? Aparentemente nada. O sol continua a nascer todos os dias da mesma maneira. As formigas continuam o seu extenuante trabalho, de lá para cá, sem parar, enquanto as cigarras cantam. Enquanto as cigarras cantam...será que é isso? será que estou cansada dessa minha vida de formiga, sem saber para que? Será que por um momento eu não estou querendo ser uma cigarra cantora, indiferente ao futuro? Um pensamento passa veloz e eu tento alcançá-lo: eu fui formiga, eu garanti o meu futuro que se faz presente. Sim, esta é a hora...a hora de ser cigarra e cantar as melodias que ficaram aprisionadas no coração por tanto tempo. Acho que vou pensar nisso com mais firmeza.Antes que a coruja chame meu nome e eu tenha que partir em definitivo. Para sempre.       


(Foto: cemitério Rural em Gramado, RS)