Piquenique na torre do Santuário
Edson Gonçalves Ferreira
Quando conheci Narizinho, a menina do Nariz Arrebitado e a Emília, eu já era, também, um moleque atrevido que, desde os cinco anos de idade, era coroinha no Santuário de Santo Antônio e, portanto, acordava às 4h30min da manhã para ajudar a missa das 5 horas. Minha mãe me vestia com uma capa preta, colocava-me no meio da rua, com muita preocupação e indicava o Santuário que ficava apenas três quarteirões, em linha reta, da minha casa. Só que, naquela época, a iluminação da rua era precária e para mim, menino pequeno, todos os lugares eram longe. E lá ia o moleque serelepe para ajudar a missa...
Cresci, assim, no meio da padraida toda. O Convento dos Franciscanos era um Seminário Seráfico e recebia jovens de todo o mundo. Não, não estou exagerando. Vinham jovens da Holanda, da Alemanha, do Rio Grande do Sul, da Paraíba, de todos os lugares para estudar em Divinópolis. Foi assim que ajudei a primeira missa celebrada por muitos padres nobres como: Frei Miguel, Dom Aloísio, Dom Ivo Lorcheider, entre tantos outros. Ajudávamos a missa e, depois, tomávamos o café-da-manhã tipo europeu, com muito leite, mel, biscoitos, bolachas, chocolates, etc. Fazíamos a farra e, depois, engatávamos uma missa na hora. Eu ajuda a missa das 5, das 6, das 7 e, às vezes, algum sacerdote tinha que celebrar a missa dele e, então, eu quebrava o galho. Tudo era em latim e, até hoje, não me esqueci de nada. Até hoje, eu vou até o altar do Deus que alegra a minha juventude. E o piquenique, onde está? Vocês, leitores e leitoras, estarão perguntando... Calma!...
O Santuário possui uma bela torre que, naquela época, era o ponto mais alto da cidade e, portanto, fascinava a todos nós, meninos. Para subir até no alto, havia uma escada de madeira, já meio podre que, hoje, foi substituída por escada de aço. Eu adorava subir até no alto para contemplar a cidade e, então, quando tinha por volta de 11 anos de idade, pedi licença ao Frei Mariano, vigário na época, para fazer um piquenique na torre com meus colegas. Frei Mariano e Frei Miguel, com minha assessoria, tinham fundado o Movimento de Orientação Vocacional e eu, atrevido, comandava a turma.
Frei Mariano que, sempre, teve aquele olhar questionador, aquele olhar que penetra no olhar da gente e, sempre me dizia, quando conversar com alguém olhe bem nos olhos da pessoa para confirmar se ela é autêntica mesmo, consentiu. Arrumamos, então, farinha de mandioca com açúcar, rapadura, laranja, limonada, pé-de-moleque – que merenda esquisita, dirão vocês, mas não tínhamos dinheiro! -- e, por volta das 18 horas, subimos as escadas da torre. Era inverno e, para clarear, levamos velas. Estava uma maravilha o piquenique. Contávamos histórias de assombração, cantávamos e tudo corria bem, mas, de repente, escutei um barulho diferente dentro do Santuário.
Rapidamente, desci as escadas correndo. Cheguei no alto do teto do coro e, lá embaixo, vi a pradaiada toda carregando enxadas, enxós, baldes, vassouras. Assim que um dos clérigos abriu a boca para gritar meu nome. Antes que ele o fizesse, eu, lá de cima, gritei: _ Gente, estamos aqui com ordem do Frei Mariano. Aí, parece que foi o Frei Norberto gritou: _ Ligaram do Edifício Ercílio, dizendo que o Santuário estava pegando fogo. Desçam todos, agora! Subi novamente, avisei meus amigos e todos nós descemos com “o rabo entre as pernas” como diz a voz popular. O sabor daquele piquenique, contudo, ficou até hoje em nossos corações. Como era bom ser moleque! “Ai, que saudade que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais!”
Divinópolis, 03.04.08