Relicário

É tão bonito. Até me faltam palavras pra explicar. Mas é até normal. De mim elas sempre correm. Vão todas pra ele. Ele conhece todas elas, as mais complexas, as mais obtusas, as mais simples, as menos óbvias. E constrói, e lapida com elas, vai enchendo tudo de um significado tão dele.

E não é egoísta. Amor lançado, assim, de graça, sem pedir troca mesmo. Eu devolvo porque uso de moeda parecida. Outros recursos, mesmo tema. Bah... Nem sei porque tentar em vão dizer.

Um coração. Isso. Um grande coração que caminha suspirando por aí. Com espaço à vontade. Cabem dois sofás, mesinha de centro pra pôr o pé em cima, e mais um bando de tralhas que a gente quiser levar. E frigobar. É enorme. Mesmo.

Desses corações que distribuem abraços. Mas não assim, pra todos, todo tempo. Distribui beijos também. Esses sim, exclusivos. É bem seletivo, quase minucioso. Mas quando abre a porta, nossa. A gente decide que vai ficar mesmo.

Como sair? Como se afastar? Como definir uma saudade de quem não se vê? Não se ouve, não se toca, não se sente. Não. Mentira. Sentir é mais do que frequente. Ah, deixa pra lá... Não sei também. Mas morro tentando, aqui, suando, buscando as formas. Uma falta de ar... E taquicardia...

E a presença? Como uma presença é tão forte, assim, sem estar? Mas está. Está aqui, ali, e ali adiante também. espalhado em pedacinhos por todos os lugares. Trechos dele que carrego comigo e vou reconhecendo por onde passo.

E está aqui também. É, aí mesmo. Lado esquerdo. Nossa. Forte. Forte presença. E surpreende. Porque nunca é igual. Não tem resposta que se adivinhe, é sempre surpresa, novidade, dia de aniversário com brigadeiro e guaraná com todo mundo escondido atrás da porta e... Surpresa!

E, ah, é de uma força tão grande, que chega a confortar. Deixa tranquila, serena, mas ao mesmo tempo resseca a boca e me faz gaguejar. E rir. Rir, rir, gargalhar, até não aguentar mais. E chorar.

Pela impotência da situação, pelo medo. Putz. Eu entendo. Juro. Eentendo, compartilho, e vibro cada vez que um deles se supera. Em mim e nele. Torci tanto pra isso, nossa. Não conseguia entender.

Dava pra ver o potencial, eram poucas vezes que ele deixava, mas eu via. Talvez ele estivesse deixando de propósito, porque queria me ver instigada a descobrir. Táticas.

De quem passa até a ler horóscopo se preciso for, de quem filosofa e teoriza até sobre o que nunca viu nem viveu, só porque acha legal opinar, participar, dividir. De quem resmunga, como um menino contrariado. Menino. Que velho, que nada. Menino de tudo, de tudo.

Eu que sempre fui meio cega. Anos e anos meio cega, mas porque era assim que tinha que ser. E não pára, e não acaba, e é sempre novo...

Suspiros... Durante a tarde, na madrugada inteira, inteira, porque o sono dá até trégua. Se apiedou de nós, talvez. Compartilho tantas coisas. E discordo em tantas também, mas ai, assim que é bom, assim que faz valer.

Tava difícil escrever sobre isso tudo, mas saiu assim, meio complexo, meio cheio das minhas subjetividades, que é pra ele ficar avaliando cada sílaba, cada ponto.

Queria mandar pro mundo ver, mas não. Porque é meu. Meu. Meu tesouro guardado. Aff... Dá vontade de mandar embrulhar e trazer ele pra casa. E guardar. Meu relicário. E sempre que se precisar de mais um sopro de vida, desembrulhar, e admirar. E suspirar.

"Porque está amanhecendo?

Peço o contrario, ver o sol se pôr

Porque está amanhecendo?

Se não vou beijar seus lábios quando você se for

Quem nesse mundo faz o que há durar

Pura semente dura: o futuro amor

Eu sou a chuva pra você secar

Pelo zunido das suas asas você me falou

O que você está dizendo?

Milhões de frases sem nenhuma cor, ôôôô...

O que você está dizendo?

Um relicário imenso deste amor"

(Nando Reis - Relicário)