ESTÓRIAS DE PESCADOR
É impressionante o quanto as pessoas que vivem nas áreas urbanas estão procurando sair do ambiente cinzento das grandes metrópoles para alcançar um recanto natural, próximo da natureza, onde não exista a barulheira das fábricas, veículos, máquinas etc. etc, na busca de ar puro, de visual verde, onde se possa ouvir o cantar dos pássaros, a melodia do bem-te-vi, o alvoroço do sanhaço, o revoar dos periquitos, o assanhamento dos tucanos quando acham a fruta e, até, o rufar grave das pombas jurutis quando entoam a canção do acasalamento.
Costumo freqüentar, em certos finais de semana, uma localidade próxima ao rio Aquidauana, onde vive meu pai, depois de aposentado. Não posso afirmar que o rio seja rico em peixes. Talvez seja o lugar que me atrai – apesar de rústico – já que quando lá estou vem a sensação de natureza virgem, com o desfrute de matas nativas, onde circulam os bichos de diversas espécies como pacas, cotias, capivaras, lagartos etc.etc.
Não raras vezes, quando meu irmão – hábil na pilotagem – também está presente, costumamos sair pela redondeza num barco a motor, ocasião em que a visita fica mais brilhante. Quem conhece o rio aquidauana, naquela região, sabe que o curso natural é cheio de correntezas e de incorreções no trânsito de suas águas. Alguns lugares são bem profundos e outros bem rasos. Por vezes surgem pedras imensas que têm de ser desviadas para não ocorrer avarias na embarcação.
Essa incursão aquática nos leva – além do gosto pela pesca – a um visual inigualável, pois existe a sensação de interação com a natureza, ocasionando certo frio na espinha, ao sabermos que estamos diante de uma situação excepcional para a qual não temos o domínio, considerando que não se trata de uma atribuição cotidiana. Ficamos submissos a uma situação indelével de acomodação, mas também de eventual perigo, eis que o piloto menos experiente pode levar o barco a bater em alguma pedra.
Nesses entreveros é que surgem as estórias de pescaria. Diz a literatura popular que os pescadores tendem a relatar fatos razoavelmente inexistentes. Explico: Como me considero uma pessoa adepta a essa modalidade de lazer não posso admitir que nossa categoria seja chamada de mentirosa. Admito, no mínimo, o exagero do “causo”. Pode ser que o narrar, empolgado, assuma proporções um pouco além da realidade, mas sempre haverá um elo de verdade, mesmo que seja apenas uma vírgula no contexto de uma estória de muitos pontos e muitos parágrafos. Entendeu? Acho que não... Estória de pescador é assim mesmo, ninguém precisa entender, basta que ela exista, para dar maior brilhantismo a esse valioso momento de lazer.
Conto uma dessas: Meu pai armou um anzol com mandioca assada – isca muito boa para pegar pacu. Como o peixe não vinha e era hora do almoço, resolveu deixar o molinete armado no escoro do barco. Quando voltou do almoço havia um enorme pintado de uns 08 quilos no anzol. Como pôde aquela isca atrair o peixe de couro, que só come minhoca ou isca viva? A explicação: a isca utilizada atraiu uma piraputanga e esta por sua vez atraiu o pintado. Acredita?
O que importa nisso tudo, não são as estórias hilariantes, pois a sabedoria popular já aprendeu a absorvê-las com bom humor. Vale mais a diversão e a forma de relaxamento que o pescador se envereda nessas ocasiões, já que, geralmente, o certame vem agregado a uma boa cerveja, estupidamente gelada, dentro dos isopores, que saem de casa – com uma capacidade mais acentuada – com a desculpa de trazer o peixe, mas que no fundo a sua posse só se justifica ante uma maior quantidade de latinhas que sempre acompanham o pescador nato.
O bom pescador não é aquele que vai ao rio e traz para casa um freezer cheio de peixes. Esse talvez seja o objetivo de quem vive disso. O pescador amador deve conscientizar-se de que a natureza sempre que agredida responderá com a redução de seus recursos naturais.
Assim, a melhor solução é ir ao rio e pescar o suficiente para comer naqueles momentos, ou, se trazer algum exemplar, obedecer, rigorosamente, as leis ambientais. Só assim, esse lazer ainda se estenderá por muitos anos. Do contrário, num futuro remoto, só iremos encontrar leitos ressecados e apenas a saudade desses momentos de felicidade.