UM DIA DE CÃO

Sabe aqueles dias em que você tem a sensação de que acordou com o pé esquerdo? Tudo dá errado, e, prá ajudar, parece que todo mundo tirou o dia prá se esmerar na modalidade esportiva “perguntas idiotas”. Você sabe, de antemão, que o dia vai ser longo, e que, a não ser que seu anjinho da güarda, seu santo protetor, seus orixás e seu finado avozinho que olha por você estejam todos de plantão e trabalhando em Força-Tarefa, quando o dia terminar, provavelmente você vai contabilizar uma úlcera a mais e uns seis amigos a menos, porque, claro, você não é santa, ainda mais na TPM.... perguntas idiotas – respostas imbecís.

Começou cedo, cinco da manhã e toca o telefone de casa, você, mais dormindo que acordada, atende e lá vem a pérola: - “Oi, você ‘tá aí?”... "Não, ‘tô na Lapônia trabalhando de duende do Papai Noel, alías na Lapônia já são onze da noite, também não um horário apropriado prá telefonar" - pensa você, mas se segura, conta dez carneirinhos e gentilmente responde: - “Sim, claro, quê que foi?” – “Nada, só queria lhe dizer bom dia.” (Não é lindo? Seria, depois das oito.) – Essa, mais dez carneirinhos depois, você nem responde, mas a verdade é que, se havia alguma chance do dia ser bom, ela havia acabado de ser destruída, bem alí.

Bom, você já acordou mesmo, o jeito é tomar um banho, um café, ôpa, o pó-de-café acabou, sem café, e ir pro trabalho mais cedo. Lá vai você, aproveita que tem tempo, toma um banho de sultana, tem tempo prá escolher a roupa, e sai, linda, maravilhosa, perfumada, maquiada, no salto, de branco... e claro! Pneu furado! Murchinho da Silva...

Naturalmente, e Freud explica, do alto dos seus um metro e sessenta COM salto você tem lá suas necessidades de auto-afirmação... logo... você não tem um fusca, um carro compacto, um sedã que seja... você tem uma picape... e das grandes! E, claro, não tem a menor idéia sequer de onde fica o macaco... Essa era uma boa hora prá não ser solteira, mas você é e tem que se virar.

“Que beleza!” – pensa você, e, duas horas, três unhas e todo o perfume depois, com a certeza de que aquela roupa branca nunca mais vai ser branca de novo, você agora está atrasada e de volta à rotina... banho-relâmpago, vai pular dentro da primeira roupa que encontrar quando abrir o guarda-roupas, batom no trânsito, e vai chegar lá no trabalho descabelada, atrapalhada e, desde já, definitivamente, mal-humorada. Ah, e ainda vai ter que explicar porque chegou atrasada...

Não dá outra... sem contar que - claro - hoje você é a rainha do sinal vermelho, não pegou um verdinho prá contar a história... Você mal bota o pé dentro do escritório e uma voz vinda como que do além lhe pergunta: - “Você sabe que horas são?” E você adoraria responder: “São nove e quinze, por que? Seu relógio quebrou?”, mas não pode... tem que pedir desculpas, muito embora você já esteja começando a achar que o mundo hoje é quem lhe deve algumas desculpas, e reviver, através da narrativa enfática, todo o stress daquele dia que ainda mal começara e, a propósito, começara mal.

É daqueles dias em que você vai ao banheiro e o papel higiênico só acaba na sua vez, o quê, claro, você só constata depois, não antes; Que quando o telefone toca, se não for engano ou telemarketing, é pepino, e, lá pelo meio-dia, você já começa a se arrepiar a cada “trimmm”. Ainda, como não podia deixar de ser, seu computador está com vírus, seus e-mails não vão nem vem e, até as três da tarde você já reiniciou aquela porcaria umas dez vezes pelo menos... sem sucesso.

Mas tudo bem! Você prossegue, não vai ser um diazinho besta que vai lhe derrubar, aí toca o celular, seu coração até gela... é a sua mãe... – “Oi. Como você está? Como está indo seu dia?”, você até considera a resposta honesta, do tipo: “’Tá tudo uma merda, dá prá me ligar amanhã, a não ser que seja emergência ou tragédia, nesse caso liga semana que vem”.... mas mãe é mãe e você acaba indo com a opção B: - “Tudo bem... trabalhando... muito...”. Aí começa a gozação de novo: - “Você tem um tempinho prá gente conversar?”, oras, se você está trabalhando, e muito, claro que você não tem tempo prá conversar, mas, de novo... mãe é mãe... – “Claro, quê que aconteceu?”... – “Sabe o Fulaninho, filho do Siclano de Tal e da Beltrana de Tal com quem você estudou por três meses na primeira série do primário? Lembra?”... Você não sabe, não quer saber e, a essa altura do dia, definitivamente tem raiva de quem sabe, e também, claro, não tem nem a mais vaga lembrança do indivíduo, mas se resume ao: - “Hã... que que tem?”... – “Morreu.” E tudo o que você consegue pensar é “Bom prá ele, está finalmente livre de ligações como essa da parte da Dona Beltrana no meio do seu já errático dia”... – “Mãe, tenho uma segunda chamada aqui que eu preciso atender tá? A gente se fala depois (beeeemmm depois), beijo, te amo, tchau, fica com Deus. Fui.”

Cinco da tarde, e, n’um record de doze horas, você ainda não mandou ninguém à merda... “Impressionante...” pensa você quase orgulhosa de si mesma por sebreviver a esse dia de cão, afinal, hora de ir prá casa, que mais pode dar errado?...

... Bom... afora alguém encher a bunda do seu carro de alegria a sessenta por hora enquanto você está parada do sinal – CLARO – vermelho?... Quase nada...

Dalila Langoni
Enviado por Dalila Langoni em 03/04/2008
Reeditado em 03/04/2008
Código do texto: T928773