Casamento
 
O senhor está bonito, heim!!!
Nem tinha ainda abotoado o paletó, ajustado o cinto da calça, me postado ereto e já estava recebendo elogios. Tudo bem que seja do vallet do estacionamento. Eu tinha alugado um terno Ricardo Almeida, preto, um par de sapatos Santoni, pretos, uma camisa Armani,  preta...e, apertado no pescoço, uma gravata de seda jacquard de Cômo, bordô escuro.
Eu realmente estava bonito.
Casamentos às segundas à tarde, com festa noite adentro, é muito chic, diziam os comensais.
Eu ali, bonito, ouvindo a missa, não entendendo nada do sermão do padre. Porém, não era somente eu que não estava entendendo nada, os noivos, que bem conheço, só entraram na igreja pros batizados e o cursinho de noivo. Nem católicos são. Mas, sabe como é, é chic casar na igreja católica, com flores, músicas, tapetes  e outras mil fantasias que as moças cultuam pela vida inteira, os noivos tremem de medo e os pais arrancam todas as moedinhas da poupança para satisfazer a vontade da filha.
Eu ali, bonito. Já estava meio vesgo porque meus olhos safados, não cansavam de olhar para os lados. 
Cada mulher mais bonita que a outra.
Todas, literalmente todas, de vestido. 
A grande maioria, escuros, de alcinhas.
Mulher é bicho danado mesmo, não tinha uma sequer que não tinha marquinhas de bronzeamento artificial.
Silicone então, nem se fala.
Tinha decotes muito ousados. Tinha seios quase pulando fora. 
E, eu ali, bonito.
Aqueles vestidos longos, colados ao corpo delas, não tinham costura, não tinham marcas nenhuma.
Acho que sequer calcinhas elas usavam, esguias e atraentes como um raio de sol.
Me parecia que, mesmo convidadas, elas, certamente queriam as atenções pra elas. 
Acho até que competiam com a noiva intencionalmente,
e eu ali, bonito.
É muito bom vez ou outra na vida, ver as mulheres vestidas de mulheres. É bonito, prático e atual uma mulher de calça ou bermuda, mas mulher de vestido é o máximo para os olhos.
Acredito que com o advento da liberdade sexual, da emancipação, etc, as mulheres conquistaram todos os seus desejos, inclusive esse de serem solitárias em festa.
Uma hora depois, fomos conduzidos para um salão social, onde mesas redondas com 16 lugares, finamente decoradas, nos aguardavam.
Sobre as mesas, um enfeite curioso. Um cubo de plástico transparente cheio de água e umas flores lindíssimas dentro dele. Mas, o curioso é que tinha em cada um desses vasos, peixinhos ornamentais, vivos, imagine! ....vivos.
Por todos os cantos e dobrinhas do salão, havia uma pequena mesa com potes de caviar, preto ou rosa, com torradinhas e outras bases.
Eu ali, bonito, apaixonado por caviar, não pude sequer fazer um canapezinho. Unzinho só.
Minha médica proibiu-me peremptoriamente por conta da gota.
A água na boca era inevitável. Às vezes, até quando ia conversar, tinha que me conter, porque senão iria desagradar meu ouvinte.
Eu ali, bonito, mas com fome.
Cada mesa, um violino sendo maravilhosamente acariciado por uma linda moça. O som uniforme, parecia de uma orquestra, a mesma música, em uníssono. Coisas dos anjos mesmo.
Vem o garçom, todo formal, servindo uma salada de entrada, com frutos do mar.
Outra vez, eu ali, bonito, e não podendo comer nada daquilo.
De repente chega o prato quente. Medalhão de vitela, com mil coisas, e inclusive champignon.
Pronto, aí eu tremi mesmo. Adoro vitela, mas, de novo, a obrigação de não estimular a gota.
Minha amiga me diz sempre:
- “Pow, você escreve muito sobre doenças, tem que escrever coisas lindas, alegres, seu leitores querem isso.”
Pensei comigo, poeta alegre é comediante, poeta tem que ser doente e triste, ou não?
Já pensou uma poesia do Bill Gates?
Uma crônica do Lula?
Uma piada sobre sexo do Edir Macedo?
Acho que eles se deram melhor e ganharam mais notoriedade e dinheiro nas coisas que fazem muito bem.
Mas tem mais, qualquer doença, por mais agressiva e dolorosa que seja, sendo bem administrada, seguindo as determinações médicas, a alimentação, os remédios, torna a vida do portador, tão agradável, boa e feliz, quanto a dos mais saudáveis.
Mas, eu estava ali, bonito e com o estômago torcendo de fome. Mais uma hora e aparece nova leva de garçonetes, cada uma com um carrinho, finamente decorado, com milhões de opões de doces aos olhos de quem adora doces.
Uma loucura. A sensação de que havia um bando de borboletas no estômago era certo.
Cada célula minha pedia açúcar. Meus olhos encantados com as mulheres, já havia substituído-as por aqueles doces. Uma fantasia pueril. Um carrinho de doces.
De novo e, novamente de novo, nem belisquei sequer um docinho.
O monstro do diabetes reclama qualquer açúcar no sangue.
Outro garçom, bebidas finas, destiladas, fermentadas, enfim, um convite à perdição.
Eu ali, bonito. Não comi nada, não bebi nada, não peguei nada.
Ufa, acordei. 
Graças à Deus hoje já é 2 de abril, ontem era tudo mentira.
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 02/04/2008
Reeditado em 07/04/2008
Código do texto: T928478
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