O Sol como Testemunha

Naquela manhã ensolarada de quinta feira os Deuses decidiram testar os limites da Lei de Murphy sobre a FarmaTech. Tudo começou com a aplicação de um patch em um dos servidores de banco de dados. Mas o que deveria ser uma simples operação de rotina, tornou-se um verdadeiro pesadelo para o Administrador de Sistemas. Às 8:00 da manhã, quando os vendedores chegaram, nada funcionava.

Ivan, o responsável pela área, começou a acionar o seu time quase que imediatamente. Às 8:15 ele já havia feito contato com a maioria deles, todos, menos com Norton Pires, o seu DBA (Administrador de Banco de Dados). Ivan achou o fato estranho, uma vez que Pires era um dos que costumava chegar mais cedo, e decidiu deixar um recado na caixa postal de voz.

- Pires, aqui é o Ivan. Estamos com um problema no sistema em função do patch de ontem. Cara, me liga e vem pra cá o mais rápido que tu puder. Estamos completamente fora do ar.

Às 9:30, uma hora meia de sistema parado, a equipe estava perdida. Já haviam tentando inúmeros recursos, mas nada que fizesse o sistema voltar a funcionar. Precisavam do Pires, e Ivan tentou o celular mais uma vez.

- Pires, cara o que houve? Precisamos de ti aqui, o bicho tá pegando. Me liga assim que puder.

Ligou pra casa de Norton, mas a resposta da esposa só serviu para piorar ainda mais a situação.

- O Norton saiu daqui hoje cedo, lá pelas 7:30. Ele ainda não apareceu no trabalho? Ah meu Deus, será que aconteceu alguma coisa? Deve der acontecido, ele leva normalmente vinte minutos pra chegar aí. Minha Santa Mãezinha, o que será que houve com o Norton? Vou começar a ligar para a polícia e os hospitais.

Às 10:00 foi a vez do colega mais chegado tentar.

- Ôo Nortão. Nortão tu tá ai? Atende rapaz! O coisa tá preta aqui, e vai sobrar pro teu lado se tu não aparecer. O Diretor já tá pedindo a tua cabeça pro Ivan.

O celular de Norton vibrou e tocou e tocou. Estava dentro da mochila, que estava dentro do porta malas do carro. Nem que quisesse, nem que estivesse ao lado do carro ele não escutaria a "Primavera de Vivaldi" lhe avisando do problema na FarmaTech. Ele tinha outros assuntos mais sérios para resolver no momento. Problemas que tinham começado exatamente às 7:45 quando ouviu no rádio a notícia, minutos antes de chegar no trabalho.

- A ondulação está quebrando do quadrante norte, em séries de dois a três metros. O vento soprando em direção ao mar com intensidade moderada. A formação é boa e a condição excelente para a prática do surf no litoral gaúcho. A temperatura da água é de vinte seis graus e a prancha indicada é uma seis zero.

O surfista gaúcho é seguramente um dos seres mais renegados da criação. As chances matemáticas de um mar desses acontecer no sul são de um para trinta e cinco mil, ou seja, uma vez a cada década. Dotado de uma cabeça analítica, Norton levou exatamente sete segundos para tomar a decisão mais impulsiva da sua vida. Uma quadra antes de chegar no trabalho, virou a esquina e se dirigiu para praia. Lá, comprou bermuda e camiseta de lycra, e alugou a prancha.

Exatamente às 11:23, quando o diretor ligava para o seu celular para informar que se ele não aparecesse em vinte minutos estaria demitido, ele viu a ondulação se formando. E remou forte para o que, provavelmente, seria a melhor onda da sua vida.