Aquele beijo
Ela segurou forte a mão dele, entrelaçando os dedos. Não eram namorados, nem nunca seriam. Ele sabia disso, sempre soube. Ela também sabia. Não daria certo. Eram tão diferentes, comprometidos com tantas coisas diferentes. Mas isso não fazia o amor diminuir. Ao contrário, misteriosamente isso somente fazia as sensações se multiplicarem. Eles não lutavam contra aquilo. Não achavam justo podar algo tão forte, com tanto potencial. Coisas ruins devem ser eliminadas, as boas só podem ser cultivadas e aproveitadas.
De repente, ele sentiu-se clandestino. Não era nada criminoso o que faziam. Ele, afinal, só havia atravessado a cidade para estar ali, ao lado dela, naquele ponto de ônibus. Era um dia frio, chuvoso. Mas nada importava. Ele só precisava vê-la, rapidamente, antes de seguir para a faculdade. Para ganhar fôlego, para voltar a sorrir, para ter forças para continuar.
Atravessou a cidade para abraçá-la. Porque era só o que importava. Era só quem importava. Quando o ônibus chegou, tão rápido, ele se entristeceu. Estariam mais uma vez separados. Ele então se aproximou e a beijou, nos lábios. Um beijo de amigo, explicou. Entrou no ônibus e tirou a touca da cabeça, segurando cadernos e livros, atrapalhado pela multidão que tentava passar pela catraca. Olhou pela janela do ônibus. Ela o acompanhava com o olhar. Já aquele beijo... Esse o acompanhou pelo resto de sua vida.