Nas nuvens

- Aline, desce aqui! Telefone!

- Quem é?

- Sei lá. É pra você.

Custava perguntar o nome? Era demais pedir isso, né? Que merda!

- Oi, alô, quem?

Era o Gustavo. O cara lindo, maravilhoso, tudo de bom da festa de ontem. A Aline só tinha ido porque uma amiga dela insistiu muito, mas lá pelas tantas o Gustavo veio até ela e daí pra frente vocês sabem.

Mas vocês sabem como é. Homem é tudo cachorro, ela duvidou um pouco que fosse o Gustavo. E de qualquer forma, cu doce não faria mal, afinal homem é que nem lata. Enfeitou a voz e perguntou descaradamente:

- Gustavo... de onde?

- Da festa de ontem, Aline. Você me deu seu número.

- Ah, sei, sei... tudo bem, Gustavo? Está precisando de alguma coisa?

O Gustavo, coitado, ficou meio sem graça. Precisar não precisava, mas havia passado a noite toda pensando na Aline. Tinha rolado uma química, assim, sabe? Uma coisa que não sabia dizer bem como era, sabe? Mas ela tinha um jeito tão diferente! É assim... ah, sei lá, sabe?

Aos menos letrados em sintomas de cardiopatias e que não sabem o que o Gustavo sabe, explicito o diagnóstico: ele está apaixonado por ela. Paixão aguda, óbvio, que paixão crônica leva o nome de ‘dinheiro’.

Frustrado, respondeu:

- Não estou precisando de nada, Aline, só queria ouvir sua voz. – Gustavo até concordou que soou meio clichê, mas era de coração, e não é a toa que clichê vira clichê. Como demorou pra pensar em algo pra falar, perguntou: – Como passou a noite?

Aline que havia passado bem a noite não pode deixar de notar que apesar do discurso piegas, ele era fofo.

Aos menos letrados em terminologias zooanalíticas, anuncio que ele deixou de ser cachorro pra ser gato. Poderia ter sido cavalo, burro, anta e tantas outras espécies a quem as mulheres emprestam o nome para ceder à outra, mas por sorte virou gato.

Conversaram mais uns dez minutos sobre temas desinteressantes quaisquer, até que ele perguntou:

- Você vai sair hoje?

- Não, Gustavo, estou cansada. E amanhã tem trabalho, faculdade. Nem pensar.

- Oquei, oquei. Boa noite, heim? Se cuida! Dorme bem, Aline!

- Você também, Gustavo.

- Beijos, Aline. Tchauzinho.

Desligou. No dia seguinte Aline acordou com flores às dez e meia da manhã. À noite um escrepe super lindo, romântico no orcute dela. Até que no dia seguinte, enfim, ela teria tempo de sair com ele.

Naquele dia dançaram, ficaram, beberam.

Em dez dias saíram do bar de mãos dadas.

Em trinta dias, namoraram. E namoraram firme, que a Li é super confiável, inteligente e é de boa família, tudo. E porque o Gus é de boa família, talz, é divertido, é romântico, é hiper fofo comigo.

Outro dia desses dançaram e beberam. E morreram num acidente de carro bobo. O próximo retorno era a três quadras e a Aline disse que estava limpo pra ele andar aquela meia quadra em contramão, que a rua estava morta. Mas não estava. Morreram num acidente de carro bobo, de mãos dadas sobre a marcha.

São Pedro os recebeu fraternal. Assinaram um termo de compromisso, coisa de rotina, e adentraram no céu.

- Sintam-se em casa! – disse ele, muito hospitaleiro, balançando o chaveiro.

Não leram antes de assinar. Foram condenados a viver a Eternidade lado a lado, de mãos dadas, coisa que nem em sonho poderiam imaginar. Acho que São Pedro – sãopaulino – reconheceu Gustavo, freqüentador assíduo dos jogos do Corinthians.

Não precisou de uma semana para Gustavo e Aline aprenderem que no céu também existe fofoca, preguiça, tepeme, intolerância, maquiagem e futebol.