CAFÉ PARIS - NITERÓI - ANOS 1920 II

LILI LEITÃO, TANGERINI E RENÉ MEDEIROS

Nelson Marzullo Tangerini

Ali, no Paris, os poetas, sempre em festa, satirizavam os companheiros da Roda, fazendo-lhes versos hilariantes.

Lyad de Almeida, em seu livro “Lili Leitão, o Café Paris e a vida boêmia de Niterói & Niterói, poesia e saudade”, Niterói Livros & Funiarte, Niterói, RJ, 1996, diz que o professor e poeta Nestor Tangerini, forte em sintaxe – e especialmente em colocação de vírgulas -, sempre tirava as dúvidas gramaticais dos amigos.

Lili Leitão, seu amigo mais próximo, resolve, então, com todo respeito, fazer-lhe uma trova satírica e cítrica:

“Caro amigo Tangerina,

Tudo que és mestre em virgular,

Por que não vais habitar

O morro da Virgulina?”

A referida trova ficou apenas na cultura oral daqueles poetas que se autodenomivam “parisienses”. Não perdeu-se, com o tempo, porque Tangerini a declamava, quando lembrava-se, com carinho, de Luiz Leitão e de seus amigos do Café Paris.

Para René Descartes de Medeiros, o galã e D. Juan da “Roda”, aquele que não tinha “critério” na escolha das “damas”, Nestor Tangerini, apelidado pela turma de “Olho de Moscou”, por ser cego da vista direita, escreveu o soneto abaixo – e que foi publicado, em 1930, no jornal O Almofadinha, de Lili Leitão:

“RENÉ DESCARTES DE MEDEIROS

[Autor do livro “Oração aos Seios”]

Cabeça de avelã, cara de sapo,

esqueleto enguiçado de nortista,

com pretensões adônicas, de guapo,

eis, em resumo, o vate gongorista.

Mulher não há, no entanto, que no papo

não lhe caia, porquanto ele conquista

desde o mais esquisito sacatrapo

à mais formosa dama futurista.

Adorador das musas, todo anseios,

porque quem chora mama canta os seios,

e à lira de Bilac, a sua bate-a.

De tal maneira explora a peitaria,

que com seu livro, marca leiteria,

fez-se o maior cantor da “Via Láctea”.

Os parisienses faziam sátiras dos amigos e deles próprios.

Segundo um manuscrito de meu pai, “na época da Roda do Paris, mil réis era dinheiro (dava para 250 chopes), e Tangerini, quando ficava “pronto”, escrevia a um farmacêutico seu amigo, e também boêmio, bilhetes que comoviam o sensível droguista:

Avie-me, seu Filgueirasa

a crédito, que sou pobre

e sofro das algibeiras

- 100 de sulfato de ‘cobre’ ”.

Para si, Lili escreveria, também, uma trova hilariante – e que jamais o paulista esqueceria.

Tangerini, num caderno de anotações, assim retratou o amigo e seu grupo:

“Marcou época, em Niterói, a chamada ‘Roda do Paris’ (do Café Paris), continuação do grupo de Max de Vasconcelos. Dela fazia parte, com Olavo Bastos (da Academia Fluminense), Gomes Filho, Tangerini, e outros, o fértil e espontâneo humorista Luiz Leitão (Lili Leitão), que nos deixou, como reminiscência daquelas brilhantes noites de boêmia, a seguinte quadrinha”.

“Meus amigos foram três,

na ventura e na desgraça:

A conta que o diabo fez:

Mulher, Dinheiro e Cachaça”.

Ao receber a notícia do passamento do amigo, às quatorze horas do dia 15 de julho de 1936, aos quarenta e seis anos de idade – e ainda solteiro -, na Rua Riodades, no.. 147, bairro Fonseca, em Niterói, Tangerini dedica-lhe uma trova satírica, dentro do estilo literário e de vida de Luiz Leitão.

“Quando ele à cova baixou,

pleno de cana e de graça,

um verme aos outros gritou:

moçada, temos cachaça!”

Para o sonetista Alberto Valle, da Academia Niteroiense de Letras, Lili Leitão foi “o maior poeta humorístico fluminense”.

Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, jornalista, poeta, compósito, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira Nestor Tangerini.

n.tangerini@uol.com.br, tangerini@oi.com.br, nmtangerini@yahoo.com.br

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 31/03/2008
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