VIDA DE CONSUMIDOR
Você muda para um condomínio, daqueles que tem um zilhão de blocos, um monte de crianças, nenhuma área de lazer... Lógico que seu apartamento é no primeiro andar, que graça teria se não fosse... Mas ainda assim vale a pena, pois tem segurança, portaria vinte e quatro horas, etc, etc... Diante do quê a sanidade mental e o soninho bendito de domingo pela manhã são postos em segundo plano...
Aí você transfere seu telefone, sabendo que vai pagar uma “cacetada” por causa de duzentos metros, que provavelmente não vai mudar nem a central, espera uma semana inteira comendo o celular, e nada da telefônica, então você liga (de orelhão, porque 0800 não aceita ligação de celular...) e depois de uma expedição de horas pelos sucessivos “se você quer isso, tecle aquilo” (que nunca tem o que você quer: você quer gente, não quer máquina, e, de preferência alguém que saiba o que está lhe dizendo...), você lá em pé do lado da padoca... Com neguinho querendo usar o orelhão (que é o único que funciona na vizinhança) olhando feio pra você e pigarreando, enfim uma voz feminina do outro lado lhe diz: “Senhora, os técnicos foram ao local há cinco dias e deixaram de fazer a instalação por ‘endereço inexistente’...”, não é lindo?
Tudo bem... Você persiste, respira fundo, explica: “Querida, eu moro lá e não debaixo da ponte, eu juro que existe... blá-blá-blá...” e depois de mais uns quarenta minutos você consegue uma fileirinha de números (que, é óbvio, você não tem como anotar), que correspondem à sua solicitação, a qual deverá ter uma resposta (não necessariamente uma solução) no prazo de zero a setenta e duas horas, não é mais lindo ainda?
Você vai pra casa, P. da vida, conta as setenta e duas horas – segundo a segundo, e, como ninguém da digníssima empresa liga (no seu celular, que o telefone ainda está mudo – e surdo), você encara toda a maratona do orelhão de novo (só que dessa vez, já escolada, você põe um sapato confortável e leva papel e caneta...) e olha o que você ouve: “Senhora, a informação que lhe foi passada anteriormente estava de fato incorreta, os técnicos deixaram de efetuar o serviço porque não havia ninguém no local”... É! Lá no condomínio com um zilhão de blocos e portaria vinte e quatro horas que, finalmente, eles acreditaram em você que de fato existe... não tinha ninguém...
Nessa hora você perde a paciência e a classe de vez, roda a baiana, diz que vai processar, grita, xinga, passa o dia inteiro com dor de estômago, mas funciona, na manhã seguinte eles estão lá, só que o distinto instalador quer mais “cincoentão” por fora para colocar os dois fiozinhos (que já estão na mão dele) relativos ao seu apartamento, na mesma caixinha onde ele acabou de colocar a sua linha... E o zelador do prédio – é óbvio – não deixa você fazer isso você mesma...
Depois de sobreviver a esse assalto, você se refaz, afinal, casa nova – vida nova, então, porque não um sofá novo? E você vai lá nas Casas B... Comprar o seu sofá no “plano cem” (que o sofá vai durar menos que o parcelamento...), e depois de trezentas horas de cadastro, onde só faltou você ter que apresentar a Nota Fiscal da calcinha que está usando, o cidadão lhe pergunta: “A Senhora quer que entregue?” – Ai que vontade de responder: “Não, vou levar nas costas...”, mas você se contém, porque pode não ter dinheiro, mas educação tem..., E aí você tem que agendar a entrega, mais-ou-menos assim:
- “Senhora, a entrega pode ser feita na segunda-feira!”
- “Moço, eu trabalho, agenda pro sábado!”
-“Só tem na segunda-feira, Senhora!”
- “Então ‘tá, eu me viro, mas me encaixe em um horário razoável, por favor...”
- “O horário é das oito às dezoito, Senhora!”
Ora, isso lá é agendamento? Você se programa, inventa uma desculpa no trabalho: do tipo “segunda que vem vou ter diarréia”, fica o dia inteiro plantada em casa e adivinha: Eles por um acaso vieram???
Ai, tem dias que dá vontade de morar numa ostra...