As Agruras da Jubilação
Jubilação, já disse, é diferente de aposentadoria. Aposentadoria é ir para a inutilidade dos aposentos. Jubilação é cair de cara na felicidade, no júbilo de estar livre da escravidão dos horários, na alegria da falta de cobrança de produção científica, na liberdade dos compromissos não escolhidos. O jubilado tem a consciência tranqüila de estar sendo premiado pelo seu esforço no mundo produtivo e, sem culpa, vai viver a vida.
Entre outras escolhas, o jubilado escolhe caminhar mais, movimentar-se, o que, além de ocupar seu tempo ocioso, traz-lhe, conforme as regras médicas atuais, o benefício de uma vida mais saudável.
Mas que não se pense que a vida do jubilado é só júbilo. Vivendo na urbe, o jubilado vive suas agruras:
1) As calçadas no Brasil são mal fiscalizadas pelas prefeituras. Os passeios públicos são raramente regulares e, às vezes, inexistentes. O pobre jubilado, se não possui uma pista pública para caminhadas, vai aos tropicões, topando com tijoletas mal assentadas, buracos ameaçadores, provenientes de tampas de bronze afanadas e vendidas em ferros velhos que todos sabem onde encontrar.
2) Donos de cães que pensam que o passeio público é o banheiro do totó. E lá vai o pobre jubilado a saltar cocôs dos mais diversos tipos, cores e tamanhos (o que, reconheço, contribui para sua forma física). “Olha! Este deve ser do pitibul da vizinha lourinha... Não, não o namorado, o cachorro que ela chama de Ogrão!”.
3) Carros têm prioridade em qualquer situação. Ao atravessar as ruas, o pobre jubilado deve, antes de tudo e por prevenção, renovar o seu seguro de vida, para não deixar a patroa na penúria e entregar sua sorte ao criador de não topar com um imbecilzinho, filho de um imbecilzão, sem carteira de motorista, com o carro do papai, enxergando a vida como um videogame, em que cada jubilado destruído vale 100 pontos.
4) Bicicletas em alta velocidade pelas calçadas. Igualzinho nos filmes estadunidenses, os pivetes fazem das calçadas suas pistas de corridas, sem efeitos especiais. E passam rentes às portas das casas. O pobre jubilado corre o risco de ser arrastado por um aborrecente de 12 anos ao colocar o pé para fora do portão. E o papai do aborrecente ainda vai argumentar: “O senhor iria querer que o meu filhinho arriscasse a vida no meio desses motoristas malucos? Só o irmão dele já atropelou uns seis na rua, só neste mês. Eu passo um sermão, corto a mesada, mas... adianta?”.
5) Calçadas cheias de postes de luz, orelhões, caixas de correio, cartazes de mercearias, bancas de frutas, badulaques de antiquários e até cabides com roupas. É nesta selva que o pobre jubilado, entre escapes por um triz de enfiar os óculos numa caixa de correio, enquanto cuidava de não quebrar a perna no bueiro sem tampa, vai pensando: “Por que diabos não colocam estes postes abaixo do meio-fio?!” Resposta: “Porque o automóvel é o senhor soberano da urbe. Símbolo de status e poder. Quem se importa com pedestres, em geral não são uns pés-rapados?”.
6) Motos que surgem do nada. Silenciosamente o pobre jubilado, que vai ficando surdo, é surpreendido por uma moto em alta velocidade, surgida do nada. Com o coração engasgado na garganta, ele nem consegue xingar a progenitora do motoqueiro e nem informar-lhe da impotência do seu progenitor. Isso tudo porque, inocente, resolveu acreditar na gentileza de um raro condutor que lhe concedeu o seu próprio direito de passar com vida sobre a assim chamada “faixa de segurança”. Sem contar que, ao sinal vermelho, moto é bicicleta (tem duas rodas só, né?) e não precisa ficar esperando a passagem de ninguém.
Enfim, não se iluda o caro leitor, que a vida do jubilado é só júbilo. Todo o jubilado é um forte que adora viver perigosamente.