Fragmentos de uma Vida Acadêmica
Vivi grande parte da minha vida nas cidades do interior da Bahia. Exerci cargos de confiança do governo e lecionei – o que ainda faço atualmente – diversas disciplinas nos cursos: fundamental I, II e Ensino Médio.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira (LDB) é muito clara quanto à necessidade do professor não licenciado, correr atrás de sua qualificação. Estabelece prazos. Por conta disso, e o incentivo do meu marido que estudava na época Geografia na Universidade Estadual da Bahia –UNEB – Campus IV – Jacobina, resolvi, prestar vestibular com 43 anos de idade, para o curso de História.
Na verdade, tive muito medo de não consegui passar, afinal não havia me preparado muito e receei me testar, testar meus conhecimentos de mundo, de experiência em sala de aula, de vivência pedagógica.
A noite que antecedeu ao vestibular foi um verdadeiro martírio!Orações varavam a madrugada, o chá de camomila na cabeceira da cama esfriava e as afirmações de “EU QUERO, EU POSSO, EU CONSIGO”, faziam coro na minha mente. Lembrava dos conselhos da minha irmã Cau ao dizer: quando estiver fazendo as provas não se esqueça de repetir baixinho, “Divina Sabedoria que habita o mais profundo do meu ser, MANIFESTAI, MANIFESTAI, MANIFESTAI”! Para garantir mais um resultado satisfatório, eu comecei a repetir as frases, durante toda a viagem de Morro do Chapéu à Jacobina, uma distância de 108 km. Meu marido e eu morávamos em Morro, minha terra natal. Ele, duas irmãs minhas e mais alguns jovens morrenses, faziam esse percurso todos os dias da semana para estudarem na Faculdade; viajavam em um ônibus velho, desconfortável por estrada deplorável.
Durante as provas me senti bem confiante. O tema da redação era sobre as cotas para afrodescendentes e sobre isso eu havia lido bastante. As provas seguintes foram razoáveis e muito me valeu a leitura de mundo e o hábito de estudar informalmente ao longo do tempo. Passei e fomos residir em Jacobina onde estamos até o momento presente.
A minha vida acadêmica merece registro, pois, foi muito divertida e cheia de surpresas. Logo nos primeiros dias de aula, alguns alunos me discriminaram pela idade, consideravam avançada. Faziam piadinhas de mau gosto tentando irritar-me. Busquei através da simpatia e da experiência ao lidar com jovens, me envolver no meio deles. A priori, demonstrando através da interação entre aluno professor um pouco de conhecimento e amadurecimento. Passei a frequentar os grupinhos e fazer amizades. Elegi-me ainda no primeiro semestre, presidente do Diretório Acadêmico de História, publiquei um livro de poemas patrocinado pela Universidade. Foi aí que sofri a mais dura discriminação. Alguns professores, irritados com a publicação do livro, me disseram coisas do tipo: “onde já se viu a universidade publicar livro de aluno e ainda por cima de poemas? Enquanto que eu desde há muito tempo estou na fila para publicar um livro acadêmico”! A Reitora foi questionada, a Diretora do Campus acusada de negligenciar as normas e o não comparecimento da grande maioria dos professores ao lançamento do livro foi uma forma de protesto.
Enquanto Presidente do Diretório Acadêmico realizei, juntamente com a minha equipe, festas, reuniões, reivindiquei direitos dos alunos, lutei contra cada injustiça praticada, participei de todas as reuniões de Departamento, fiz parte de todas as comissões, e quando fui solicitada pelos alunos dos outros cursos para ajuda-los a resolver seus problemas, intervi sempre buscando o diálogo intermediando as situações.
O meu marido, antes da minha entrada na Universidade, assumiu o Diretório Acadêmico de Geografia e juntos, lutamos pela implantação da Casa do Estudante, onde permaneci como representante estudantil até concluir o curso de História.
Briguei muito pela melhoria do ensino, muitas vezes, tradicional demais e ultrapassado, com práticas metodológicas inadequadas. Muitos professores achavam que podiam fazer lavagem cerebral nos alunos, tentando conduzir o pensamento para um caminho que não condiz mais com a contemporaneidade. E essa afirmação de que História é a Ciência que só estuda os fatos do passado, sem fazer ponte com o presente... Eu nunca aceitei! Sempre achei preciso quebrar esse velho paradigma! É... A universidade, por conta de alguns professores, decepciona. Mas a luta por melhor qualidade de ensino deve ser a nossa bandeira sempre.
Fui eleita coordenadora de Campus pelo DCE (Diretório Central dos Estudantes) e participei de todos os eventos possíveis dentro e fora da Universidade. E quanto a alguns docentes mais graduados, no entanto, menos comprometidos com a educação, esses o tempo mostrará a sua mediocridade; entretanto, outros professores marcaram a minha vida acadêmica, aprendi muito com esses Mestres. Foram implacáveis comigo, no sentido de me fazerem progredir, colocando-me para refazer trabalhos, chamando-me à atenção sempre que necessário, mas mostrando-me o caminho e conduzindo-me a perceber o quanto é preciso o estudo, a disciplina e a disposição para continuar sempre aprendendo.
Fiz um poema no meu áureo tempo de rebeldia universitária que representa bem o meu sentimento mediante a relação de poder entre aluno professor, intitulada de “Excentricidade”. Em prosa.
Ah! Esse meu professor! Diz coisas tão complicadas, exibe todos os seus títulos em quase todas suas aulas, deixa os alunos perdidos num labirinto de falas... É o dono do saber, isso é o que deseja demonstrar e fica todo contente quando não conseguimos acertar, as questões de suas provas que faz questão de complicar. É o dono do saber, esse meu professor, tem pinta de Phd, de ilustre doutor, mas na seleção de mestrado, algo deu errado, não passou! Sua metodologia é relativamente atrasada e os trabalhos que passa são os mesmos da década passada, ah! Esse meu professor não está mesmo com nada! O seu ego é muito forte, não aceita sugestão, fala mal do ensino médio e de qualquer religião, não acredita em Deus, é ateu e faz muita gozação. Ah, esse meu professor! Tem um lado bom afinal, faz guerra de nervos com os alunos, mas todos passam “na final”, será mesmo bom esse método educacional? Ou será ele um excêntrico profissional? Bem, existe ainda muita dessa espécie “enrolando” pelas Universidades, fingindo que ensina. Alguns, do alto do pedestal, ancorados pelos títulos, não descem para expor assuntos, ordenam e ainda ousam afirmar: “aluno é bicho” tem de ralar. Já ouvi muita coisa pelos corredores. Tipo: “Rapaz, fiz terror com os calouros, falei coisas que os deixaram tremendo de medo, comigo é assim, desde cedo os faço saberem que não estou para brincadeira”!E muito mais... Pois é, o mundo acadêmico é um torvelinho, “uma caixa de Pandora”. Mas vale muito, muito a pena.